Noite das presidenciais na TV: Comentário político monopolizado por 4 áreas profissionais

Por Paulo Couraceiro, Ana Pinto-Martinho, Gustavo Cardoso

Durante a noite e rescaldo eleitoral, das eleições presidenciais, os espaços de comentário televisivo foram marcados pelo domínio de 4 áreas profissionais: Jornalismo, Economia e Gestão, Direito e Ciências Sociais, por caras conhecidas e elevada desigualdade de género.

Quatro áreas profissionais monopolizaram o comentário televisivo na noite das eleições presidenciais. Estas áreas formam uma espécie de oligopólio da construção do discurso eleitoral na TV portuguesa, assim como a construção da experiência mediada dos portugueses sobre a política. Com os jornalistas a representar 37% do total dos comentadores.
Quatro áreas profissionais monopolizaram o comentário televisivo na noite das eleições presidenciais.

A análise levada a cabo, durante a noite e madrugada eleitoral (24 e 25 de janeiro), revela que foram os comentadores residentes que ocuparam a maioria das cadeiras nas emissões especiais dos canais televisivos. A larga maioria desses comentadores são homens (82%), tendo quatro áreas profissionais a representar 95% dos comentadores, sendo 39% jornalistas, 24% das áreas da Economia e Gestão, 18% Direito e 13% das Ciências Sociais (sociologia, ciência política e psicologia).

Podemos ver que, nas escolhas editoriais das televisões, mais do que a representatividade ou a diversidade, parece prevalecer a ideia de que “caras conhecidas” são audiências garantidas. Esquecem-se que os públicos e as audiências não existem previamente e se criam.

Votações, candidatos e celebridades

A noite eleitoral é um evento de grande magnitude mediática, que preenche o tempo geralmente dedicado a telejornais, telenovelas e programas de entretenimento, numa grande produção televisiva que é transmitida em direto e simultâneo nos canais em aberto, por cabo e streaming via Internet.

A noite eleitoral foi antecedida, nos canais de informação, por programas especiais de informação, com particular enfoque na afluência às urnas em tempo de pandemia e nas reações às projeções das sondagens sobre a abstenção. Ao longo da tarde informativa fizeram-se diretos e entrevistas junto dos locais de voto, relataram-se as incidências (como as longas filas), repetiram-se imagens e declarações dos candidatos no momento do voto e, antecipando o que seria a constante da noite, ensaiaram-se diretos das sedes de campanha ou locais onde os candidatos iriam reagir aos resultados eleitorais (no caso de Vitorino Silva foi a garagem do irmão).

Um momento sui generis e que revela a improvisação jornalística no terreno, foi a cobertura da chegada a casa do candidato Marcelo Rebelo de Sousa às 19h30, a sair do carro com o casaco no braço, a tirar malas da bagagem e a entrar em casa. Tudo isto enquanto respondia às perguntas dos jornalistas. Entre outras informações que constituíram o directo noticioso, fomos informados que o jantar do Presidente na noite da sua reeleição foi um bife com ovo a cavalo e arroz. Este episódio demonstra como as dinâmicas do que é notícia sobre celebridades (tudo o que se relaciona com o seu quotidiano) se transportam para o espaço da política dando azo a uma política-celebridade.

Neste grande evento televisivo, que marca o ciclo político, as opiniões dos comentadores podem condicionar perceções e entendimentos sobre os vencedores e perdedores das eleições, e também as consequências políticas dos resultados. Daí a importância da editorialização das escolhas, ou seja, de quem é convidado para ser comentador em que canal.

O impacto do comentário político na noite eleitoral é amplificado, não apenas por se tratar das primeiras reações na praça pública ao maior evento da democracia, mas também por alcançar pessoas que normalmente não acompanham os programas e espaços de comentário político.

A noite eleitoral na TV

A noite eleitoral é um grande evento televisivo marcado por sondagens, resultados acompanhados em tempo real e por comentários e análises que são interrompidos para dar lugar às reações em direto dos candidatos e principais figuras políticas.

A pandemia de Covid-19, levou ao repensar da noite eleitoral de forma a garantir as condições de segurança dos participantes na emissão televisiva. Testagem dos convidados, instalação de placas de acrílico, maior distanciamento físico, ou análises via Skype ou Zoom foram algumas das alterações necessárias. Todavia, a introdução de alterações não foi aproveitada para apresentar novidades nos alinhamentos televisivos no que diz respeito à seleção de comentadores políticos, face ao que encontramos durante a semana nesses canais.

Entre os comentadores que constituem a pool de comentadores dos canais televisivos em espaço de assinatura pessoal, isto é, com regularidade semanal e sem contraditório, faltou apenas Ana Gomes, uma vez que era candidata presidencial, como justificou de forma ilustrativa o diretor da SIC Ricardo Costa, na antevisão da noite eleitoral.

No estúdio, durante a noite eleitoral, os espaços de comentário televisivo foram marcados por celebridades-políticas e celebridades do comentário e por uma elevada desigualdade de género. Foram os comentadores residentes dos diferentes canais quem ocupou as cadeiras nas emissões especiais dos canais televisivos e, como tivemos oportunidade de analisar no artigo “Noite eleitoral desigual“, a larga maioria desses comentadores são homens.

O comentário em noite eleitoral na TV

Os dados que apresentamos foram recolhidos nos dias 24 e 25 de janeiro, como resultado do acompanhamento da noite e madrugada das eleições presidenciais, tendo sido analisadas as emissões e programas especiais dos principais canais generalistas (RTP, SIC e TVI) e de informação (RTP3, TVI24, SIC N e CMTV). Esta análise tem como foco a noite eleitoral (que começou entre as 19h e as 20h e terminou por volta da meia noite), sendo complementada com dados sobre os programas de rescaldo que se seguiram de imediato nos canais informativos (exceto na CMTV).

O objetivo desta análise é refletir sobre o pluralismo político e social em televisão e analisar a noite eleitoral à luz de outros estudos que têm sido desenvolvidos pelo MediaLab CIES-Iscte sobre o comentário político e os seus protagonistas no grande ecrã.

Nesta análise foram identificados 38 comentadores televisivos, com participações na noite eleitoral e nos programas de rescaldo. Destes, 31 são homens (82%) e 7 são mulheres (18%). A média de idade dos comentadores é de 57 anos, à data.

No que diz respeito às profissões temos quatro áreas a representar 95% dos comentadores: Jornalismo (39%), Economia e Gestão (24%), Direito (18%) e Ciências Sociais (13%). Estas quatro áreas formam um oligopólio do discurso eleitoral na TV portuguesa, condicionando a construção da experiência dos portugueses sobre a política, neste caso particular sobre as leituras das presidenciais e suas implicações para a política partidária e relações institucionais entre o governo, presidência e assembleia da república.

Nas profissões encontramos diferenças substanciais entre aquilo que se passou na noite eleitoral e nas análises que se seguiram (rescaldo), sobretudo na preponderância dos jornalistas. Na noite eleitoral as quatro áreas representam 87% do total dos 23 comentadores, com maior peso da Economia e Gestão (35%), seguindo-se Direito (22%) e Ciências Sociais (17%), com o Jornalismo na última posição (13%).

Pelo contrário, o rescaldo eleitoral nos programas de informação foi dominado pelo Jornalismo (73%), seguindo-se o Direito (13%), a Economia e Gestão (7%) e as Ciências Sociais (7%). Aqui as quatro áreas representam o total dos 15 comentadores.

A preponderância global do Jornalismo explica-se, sobretudo, como veremos mais à frente, pelas diferentes opções dos canais no formato escolhido para os programas de informação após o fim da emissão nos canais generalistas. Sobre esta questão uma análise por canais indica-nos que foi na TVI e TVI24 que o Jornalismo esteve mais ausente, sendo Miguel Sousa Tavares o único representante desta área profissional entre os comentadores.

Considerando só a noite eleitoral, dos 23 comentadores, 87% foram homens. Apenas 3 mulheres, Manuel Ferreira Leite (TVI), Joana Amaral Dias e Diana Ramos (ambas na CMTV) introduziram alguma diversidade no comentário. A TVI foi o único canal, em sinal aberto, onde interveio uma mulher, a ex-ministra das finanças e ex-líder do PSD, e numa única ocasião por videochamada, ao contrário dos restantes comentadores do canal. Os dados do rescaldo eleitoral também foram desequilibrados, com 73% de homens em 15 comentadores.

No global (noite e rescaldo eleitoral), ao nível político observamos que 14 comentadores se posicionavam politicamente à direita e 10 à esquerda. Os restantes 14 não foram classificados em função da sua orientação ideológica, pois ou não possuem publicamente declarações de posicionamento político, às quais um telespectador possa aceder, por exemplo através da internet, ou por serem jornalistas no decurso da sua atividade profissional.

Assim, entre os 24 comentadores passíveis de serem identificados pelas audiências com uma tendência política definida, encontramos 63% posicionados à direita (14 homens e 1 mulher) e 38% à esquerda (7 homens e 2 mulheres). Isolando a noite eleitoral a relação de forças é muito semelhante (61% para a direita e 39% para a esquerda).

Ao nível dos canais é de salientar que o maior viés a favor da direita é encontrado na TVI e TVI 24. Em conjunto, na noite eleitoral, estes canais revelam 71% de comentadores à direita, entre aqueles com tendência definida. Por outro lado, juntando a SIC e SIC Notícias, encontramos o maior equilíbrio entre as visões de direita (57%) e de esquerda (43%). De notar também que a RTP3 optou por um programa de rescaldo apenas com jornalistas e que a CMTV teve, dentro da sua noite eleitoral, um momento que foi apresentado como um “esquerda-direita”, protagonizado por Marcos Perestrelo e Luís Campos Ferreira.

Os dados globais indicam ainda que, do total de 38 comentadores, 20 são comentadores residentes (53%). Mais, olhando para os restantes intervenientes na noite eleitoral verificamos que são, na sua larga maioria, comentadores que normalmente fazem parte do ecossistema desses canais, ou seja, são figuras que são frequentemente chamadas a comentar.

Em particular, na noite eleitoral verificou-se que 15 em 23 comentadores (65%) participam em algum programa semanal de comentário político, e se juntarmos a esse valor o comentário quinzenal são 17 em 23 (74%). Isto, considerando apenas o comentário “fixo”, que ocorre num dia e horário previamente conhecido pelas audiências.

Na noite eleitoral, todos os canais, com exceção da TVI, tiveram entre os seus comentadores um especialista em sondagens, essa é razão pela qual a percentagem de comentadores residentes não é mais expressiva.

Entre os 17 comentadores residentes que protagonizaram a noite eleitoral encontramos todos aqueles que têm um espaço ao domingo à noite (as duas duplas da RTP, Luís Marques Mendes na SIC e Paulo Portas na TVI). No caso da TVI e da SIC também participaram os comentadores que têm um programa de assinatura num dia fixo da semana (onde fazem comentário individual). No caso da CMTV o grosso do painel corresponde aos comentadores que encontramos durante o jornal da noite na rubrica “3 minutos”.

Ao nível do rescaldo eleitoral encontramos diferentes opções por parte dos canais. A RTP escolheu um painel composto somente por jornalistas e, embora todos sejam caras conhecidas do grande público, é de registar a paridade (2 homens e 2 mulheres). A SIC preferiu dar o ecrã aos jornalistas do canal e também aos homens que compõem o painel de comentadores do Eixo do Mal (Daniel Oliveira, Luís Pedro Nunes e Pedro Marques Lopes). Por sua vez a TVI escolheu fazer o rescaldo da noite eleitoral com uma edição especial do programa Circulatura do Quadrado (com Pacheco Pereira, Ana Catarina Mendes e António Lobo Xavier).

A grande prevalência dos comentadores residentes na noite e rescaldo eleitoral é indicativa da necessidade que as televisões têm de captar a atenção das audiências através de caras reconhecidas e também da necessidade de promover os seus comentadores e programas em que participam.

Neste aspeto é de realçar que a RTP apresentou na “mesa dos comentadores” um não comentador. André Carrilho, após ter sido apresentado como cartoonista, manteve-se em silêncio durante a emissão da noite eleitoral, para antes do encerramento mostrar o cartoon que tinha desenhado e que fazia o retrato da noite. O cartoon mostra Marcelo a entrar num carro em forma de urna, e os restantes candidatos a espreitar.

Se, por momentos, imaginássemos um cartoon como síntese da análise aqui apresentada sobre o comentário da noite eleitoral, ele seria um desenho composto por um conjunto de caras conhecidas, com um ecrã de TV de porta giratória onde surgiriam as mesmas caras de sempre, deixando de fora outras caras que aproximasse o comentário da diversidade social existente em Portugal.

Conclusão

Se o pluralismo político e social é importante em democracia, as televisões da democracia necessitam aumentar o seu pluralismo para além do político e do partidário. Torna-se urgente aumentar a diversidade com a inclusão de personalidades e figuras de outras áreas de atividade e formações científicas e profissionais e que representem as diferentes gerações de cidadãos votantes.

A noite eleitoral, que nas últimas presidenciais contou com 3,1 milhões de portugueses frente aos ecrãs, apresenta-se como uma excelente oportunidade para introduzir rupturas e trazer novos rostos e novas opiniões para o espaço público e mediático.

Contudo, nas escolhas editoriais das televisões, mais do que a representatividade ou a diversidade, parece prevalecer a ideia de que “caras conhecidas” são audiências garantidas. No entanto, como sabemos no quadro das ciências da comunicação, não há públicos e, consequentemente, não há audiências, elas criam-se. O risco de manter tudo sempre igual é o de os públicos e as audiências se erodirem.

Paradoxalmente, essa preocupação com quantos estão “agora” a ver pode, efetivamente, reduzir o espectro de quem “poderia” está a ver. Assim, uma excessiva preocupação com as audiências pode afastar novos públicos dos programas de comentário político que os canais promovem.

O exemplo foi dado pela opção da TVI de encerrar a noite eleitoral no canal generalista à meia-noite em ponto, interrompendo o discurso de vitória de Marcelo Rebelo de Sousa (3 minutos antes de terminar), para transmitir a gala do “Big Brother – Duplo Impacto”. Algo que na essência não seria contrário à inovação no comentário, desde que o comentário às eleições tivesse continuado também na gala do Big Brother.

Metodologia

O estudo conduzido pelo MediaLAB do ISCTE-IUL procurou analisar os comentadores políticos nas principais emissões e programas de televisão no dia das Eleições Presidenciais 2021.

Na noite eleitoral de 24 de janeiro foram analisados os comentadores presentes nas emissões especiais sobre as presidenciais dos principais canais generalistas, a saber: RTP1 entre as 18h45 – 00h35 (interrompida para transmissão do telejornal entre as 19h15 e as 19h33); SIC entre as 19h30 e as 00h05; TVI entre as 19h48 e as 00:00 e CMTV entre as 20h00 e as 00.03. Foram igualmente analisados os comentadores presentes nos programas de rescaldo das eleições presidenciais que se seguiram nos canais de informação na madrugada de 25 de janeiro, a saber: RTP 3 entre as 00h35 e as 1h47; SICN entre as 0h35 e as 1h22; TVI24 entre as 00h24 e as 1h14.

Os dados globais dizem respeito ao somatório dos comentadores presentes nas emissões especiais da noite eleitoral e dos comentadores presentes nos programas de rescaldo.

Estes comentadores foram classificados segundo as categorias: «Direita» ou «Esquerda». Foram ainda incluídos na categoria de «não posicionados politicamente» os comentadores cuja tendência política não é passível de ser identificada pelas audiências a partir de informação acessível no domínio público na Internet – portanto, igualmente acessível a quem procura saber mais sobre orientação política desses intervenientes.

O trabalho de recolha, codificação e análise foi realizado pelos investigadores Paulo Couraceiro, Gustavo Cardoso e Ana Pinto-Martinho, e decorreu entre 24 de janeiro e 12 de fevereiro de 2020.

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