Despistagem de desinformação política nos grupos: 22 a 28 de Setembro de 2019

O projeto Monitorização de propaganda e desinformação nas redes sociais, desenvolvido no MediaLab ISCTE IUL, está a efetuar semanalmente a caracterização dos posts com conteúdo político que, dentro do conjunto de grupos de Facebook analisado, obtiveram o maior número de interações. Seguem alguns exemplos deste processo, com o link de acesso, a respetiva caracterização (segundo a rotulagem do projeto) e categorização (segundo as categorias do First Draft News, de Claire Wardle), assim como a justificação para ambas as tipificações.

Da totalidade de posts analisados distinguem-se:

  • 40% de posts em que não existem conteúdos imprecisos ou incorretos, quer pela sua natureza, quer pelo rigor dos factos apresentados;
  • 25% de posts com conteúdo impreciso, que pode induzir o recetor em erro.
  • 35% de posts com conteúdo incorreto, desinformando o recetor

 

Refugiados e reformados

Ver publicação no Facebook 

Caracterização:

Factos incorretos – no texto do post
Factos imprecisos – no texto do post
Spin de imagem – no post
Uso descontextualizado de fontes fidedignas – no post
Texto do post conduz à interpretação incorreta do link/imagem/meme

Categoria: Manipulated content; false context; false connection

Justificação: O artigo do Polígrafo, de 27 de Setembro de 2019 é uma verificação de uma outra publicação de Facebook, que contém os dados incluídos no título do artigo, sobrepostos a uma imagem de um idoso com o título “racismo em Portugal é:”. 

O artigo refuta os dados apresentados, quer relativamente ao valor recebido por um refugiado, quer para quem trabalhou com 40 anos de descontos e adiciona uma imagem de uma família de refugiados de origem muçulmana. 

Não obstante o Polígrafo ter classificado o conteúdo como falso e de no título a afirmação surgir como ponto de interrogação, a partilha do link no Facebook retira o ponto de interrogação, surgindo apenas a afirmação, o link ao Polígrafo e a imagem. 

O texto do post reforça a mensagem que o Polígrafo queria desmistificar. É um exemplo evidente de manipulação de fontes fidedignas para veiculação da mensagem. 

 

Jardim Gonçalves

Ver publicação no Facebook – A publicação já não se encontra visível, mas data de 24 de setembro de 2019, 23H35 e contém um link para um artigo com o comentário “Com o aumento dos combustíveis, Jardim Gonçalves vive com sérias dificuldades para se deslocar.”

Caracterização:

Reciclagem – no post
Timing fora de contexto – no post
Título impreciso – no link
Cópia selectiva – no link

Categoria: Misleading content

Justificação: A retirada deste post do Grupo Portugal a Rir, deve-se provavelmente ao seu conteúdo político, sendo que durante a semana em questão, contou com 2673 interações, daí tendo-se optado pela sua inclusão. 

A publicação é composta por um texto com uma sugestão de interpretação irónica “Com o aumento dos combustíveis, Jardim Gonçalves vive com sérias dificuldades para se deslocar” é a reciclagem de um artigo já antigo do Semanário Extra.

O artigo do Semanário Extra não contém data de publicação, mas o código fonte da página revela que foi no dia 04 de Junho de 2018. O artigo corresponde a uma cópia selectiva de um artigo do Correio da Manhã, incluindo alguns parágrafos do artigo do CM e mudando-lhe o título. Os factos constantes no mesmo correspondem, embora já tinha havido novas notícias sobre o processo.

A imprecisão advém do título, que poderá induzir em erro, embora tenha havido aproveitamentos mais desinformativos da notícia, como o Polígrafo noticia

O artigo inclui ainda um vídeo de uma entrevista de Joana Amaral Dias à CMTV onde a mesma comenta a decisão do Tribunal de Sintra que estipulou o valor da pensão de Jardim Gonçalves, argumentando que os prejuízos da instituição são, em fim último, pagos pelos contribuintes.

 

Pintura de unhas

Ver publicação no Facebook 

Caracterização:

Acusação não fundamentada – no texto do post
Reciclagem – no post
Timing fora de contexto – no post

Categoria: Misleading content

Justificação: A notícia é verdadeira e foi amplamente publicitada em outubro e novembro de 2018, data do link da publicação.

A imprecisão da publicação surge do timing descontextualizado e das acusações não fundamentadas incluídas no texto da publicação. 

 

Costa e os carros

Ver publicação no Facebook

Caracterização:

Reciclagem – no post
Timing fora de contexto – no post
Factos incorretos – no link
Factos imprecisos – no link 

Categoria: Manipulated content; false context

Justificação: O link remete para a mesma imagem com o mesmo título sem mais conteúdo. Não existe indicação de data, mas o código fonte da página remete para a sua criação a 09 de abril de 2019, 4 dias depois de um post da Direita Política  com o mesmo conteúdo e mais algum texto. A publicação da Direita Política surge na sequência de um post de Joana Amaral Dias em que a mesma coloca uma imagem do mapa de pessoal do Gabinete do Primeiro Ministro, onde se encontram inscritos 11 motoristas com um ordenado bruto acima dos 2000 euros.

Para além de se tratar de uma reciclagem de conteúdo descontextualizada, o meme e o texto do link têm factos incorretos e imprecisos. 

Tanto a Direita Política, como este link, como vários outros produtores de conteúdo imputam a frase: “os portugueses têm de se habituar a viver sem carros” a António Costa, identificando-a como uma afirmação de 2016. Uma pesquisa exaustiva, em diversos motores de busca e com uso de diferentes sinónimos não encontra registo desta afirmação em Orgãos de Comunicação Social ou outra fonte institucional.   

António Costa proferiu de facto uma frase com algumas palavras semelhantes, mas com um sentido e contexto muito diferente, em 2016, na inauguração de uma estação de Metro na Área Metropolitana de Lisboa: “As cidades levaram grande parte do século XX a habituarem-se ao automóvel e agora têm muito pouco tempo para se habituarem a viver sem o automóvel”.

Relativamente ao facto de António Costa ter 11 motoristas, esta declaração já foi investigada pelo Polígrafo, confirmando-se que o seu Gabinete tem 11 motoristas, mas que servem a totalidade do Gabinete, e não apenas o Primeiro Ministro, como o texto no meme poderá induzir. 

 

Zeinal Bava

Ver publicação no Facebook 

Caracterização:

Reciclagem – no post
Timing fora do contexto – no post
Factos imprecisos à data atual – no post
Uso descontextualizado de fontes fidedignas – no post
Acusações não fundamentadas – no texto do post

Categoria: False context

Justificação: Notícia da SIC Notícias de agosto de 2017, altura em que se tornou público o aproveitamento de Zeinal Bava em 2012 do regime excecional de regularização tributária (RERT). O RERT permitia a entrada de capital para solo português e a respetiva regularização tributária através de taxas fiscais muito abaixo das oficiais. 

Na altura, surgiram mais figuras públicas que aproveitaram a medida, o que conduziu a fortes críticas por parte da inércia dos Serviços fiscais em investigarem a origem destes capitais. Desde 2018, têm vindo a surgir medidas que visam a investigação da origem dos capitais sujeitos ao perdão fiscal.

Tendo em conta não só o link mas o texto da publicação, a reciclagem desta notícia não só é descontextualizada como desinformativa face às recentes alterações legais. Acrescente-se que o último RERT é uma medida que entra em vigor durante um governo PSD, e que foi o Bloco de Esquerda, com aprovação de PS e da CDU que colocou em vigor a lei que permite às finanças investigar estes perdões. O tempo verbal presente no texto do post pode ser enganador tendo em conta os desenvolvimentos que têm surgido sobre o tema. 

 

Casamento a 3

A publicação já não se encontra visível, mas data de 24 de setembro, 03H42 e contém um link para um artigo com o comentário “Em breve veremos muitas mais coisas interessantes.. avô que casa com neta… mãe que casa com cão… mulher que casa com uma árvore.. tudo será legalizado e não esquecendo as piedosas adoções de criaturinhas para ornamentar.”

Caracterização:

Reciclagem – no post
Timing fora de contexto – no post
Factos imprecisos à data atual – no link

Categoria: Misleading content

Justificação: O artigo em questão é uma cópia seletiva de um artigo da Globo e data de outubro de 2015, na sequência da oficialização de um casamento entre três mulheres no Rio de Janeiro. 

Para além da sugestão interpretativa no texto do post, a imprecisão advém do facto de se tratar de conteúdo reciclado. O título: “Os sinais do fim: Primeiro casamento de 3 mulheres é oficiado no Brasil” e o comentário induzem para a ideia de que se trata de algo que acontece no Brasil atual. De facto, as alterações políticas colocaram a união poliafetiva num vazio legal, após o Conselho Nacional de Justiça ter em junho de 2018 decidido que “os cartórios nacionais não podem registrar uniões poliafetivas em escrituras públicas”.

A fotografia de 3 mulheres que surge com o artigo é de um casamento realizado no Massachusetts em 2013, facto que também não é indicado, induzindo novamente em erro. 

 

Ivo Rosa

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Caracterização:

Acusações não fundamentadas – texto do post

Categoria: Não aplicável

Justificação: Não obstante as acusações não fundamentadas não foi considerado que tivesse conteúdo impreciso ou incorreto de relevo desinformativo.

Jardim Gonçalves II

Ver publicação no Facebook 

Caracterização: ver supra

Categoria: ver supra

Justificação: ver supra

 

Brisa

Ver publicação no Facebook 

Caracterização: 

Reciclagem – no post
Timing fora do contexto – no post
Factos imprecisos à data atual – no link
Factos imprecisos à data de publicação – no link
Cópia selectiva – no link
Título impreciso – no link (meme)

Categoria: False context

Justificação: Artigo de abril de 2018, que corresponde a uma cópia seletiva de um artigo do Jornal de Negócios de 3 de janeiro do mesmo ano. Ao texto do Jornal de Negócios são acrescentadas uma acusação não fundamentada e uma imagem em forma de meme, cujo título induz em erro, afirmando que o fisco desistiu de cobrança da dívida, quando as explicações fornecidas pelos responsáveis apontam para uma decisão com base nos pareceres pedidos. 

O uso tardio do texto do Jornal de Negócios faz com que o artigo contenha, já à data de publicação, factos imprecisos, já que termina com uma frase indicando que não houve resposta por parte da Autoridade Tributária, quando nas semanas seguintes – janeiro de 2018 – o Secretário de Estado foi ao Parlamento dar explicações sobre os motivos que conduziram à anulação da requisição devida. 

 

República dos Bananas e os refugiados

A publicação data do dia 23 de setembro, 21H12 e já não se encontra visível, contando à data da sua retirada com mais de 1500 partilhas. 

A publicação tinha como texto: “LÁ vai o nosso dinheiro para a escumalha…que não faz a ponta de um corno .” e um link para um vídeo de YouTube. Este vídeo também já não se encontra visível e tinha o título “Refugiados, ganham 20 000€ em subsídios. Não pagam dividas e recusam-se a trabalhar.” 

Com estes elementos, identificámos um site, com um link, para o mesmo vídeo no YouTube e que já contava com mais de 10 000 visualizações quando foi retirado. 

Nesse site, é identificado o canal que publicou o vídeo: Republica dos Bananas. Este canal também já não se encontra disponível surgindo a mensagem: “Esta conta foi encerrada devido a violações repetidas ou graves da política do YouTube que proíbe a incitação ao ódio”.

Tendo em conta o identificado disseminador e o título, identificámos o referido vídeo no Facebook, procedendo-se com essa base à caracterização e categorização do mesmo. 

Caracterização: 

Acusações não fundamentadas – no texto do post
Reciclagem – no post
Timing fora de contexto – no post
Factos incorretos – no link
Factos imprecisos – no link
Título impreciso – no link
Acusações não fundamentadas – no link
Uso descontextualizado de fontes fidedignas – no link
Cópia seletiva – no link

Categoria: Manipulated content; false context 

Justificação: O vídeo em questão é composto por duas partes principais. A primeira é uma composição de imagens, com um comentário aúdio e a segunda é uma composição de vídeos do caso de Miranda do Corvo, com comentários em texto sobrepostos ao vídeo.

Na primeira secção do vídeo surgem uma série de memes, com sugestões de interpretação que ligam os refugiados ao vandalismo e ao terrorismo. Seguem-se alguns dados estatísticos desatualizados e incorretos. Declaram, por exemplo, que Portugal é o país da União Europeia com mais pessoas no limiar da pobreza. Nos dados relativos a 2017, havia pelo menos mais 4 países da UE com taxas largamente superiores à nacional.  

A segunda parte, aprofundando algo que já tinha surgido no início do vídeo, assenta na ideia de que um refugiado recebe 600 euros, valor esse já refutado pelo Polígrafo que esclarece que existe um valor base, em que cada refugiado recebe cerca de 150 euros, bem abaixo do que recebe um reformado ou trabalhador com o salário mínimo nacional. 

Nas notícias de Orgãos de Comunicação Social sobre Miranda do Corvo refere-se um valor algures entre os 500 e 600 euros mas trata-se de valores para o agregado familiar, composto por 5 pessoas. A declaração no vídeo de que mais de 2 milhões de portugueses vive com menos que estas famílias está incorreta.  

Acresce ainda que o vídeo faz utilização seletiva de uma reportagem da sic notícias, e que o caso de Miranda do Corvo remonta a novembro de 2018, não existindo contexto que justifique a reciclagem do tema agora. Verificando-se que a produção do próprio vídeo também é recente, esse descontexto agrava-se ao próprio link e não só ao timing de partilha.

Por fim, destaque-se que o vídeo começa com um logotipo igual a duas páginas homónimas que se identificam como República dos Bananas mas que são oriundas do Brasil. Identificou-se ainda uma página com o mesmo nome ligada a Portugal, com apenas 125 gostos e uma imagética diferente da do vídeo mas que foi criada a 11 de setembro de 2019. Poderá haver ligação entre os produtores do vídeo e as páginas brasileiras ou tratou-se apenas do “furto” de imagem. 

 

Licenciatura de Relvas

Ver publicação no Facebook 

Caracterização: 

Reciclagem – no post
Timing fora de contexto – no post

Categoria: Misleading content

Justificação: A notícia do Expresso é de junho de 2016, não existindo novos elementos que justifiquem a partilha da mesma. Não é indicado na publicação que se trata de um reavivar de memória, podendo induzir o leitor em erro. 

 

Trabalhar aos 14

Ver publicação no Facebook 

Caracterização: 

Reciclagem – no post
Geolocalização fora de contexto – no post

Categoria: NA

Justificação: Publicação não rotulada como desinformativa mas salientando que para além de se tratar de reciclagem – o artigo do jornal Estado de Minas Gerais é de junho de 2019 – existe uma possível indução em erro, relativamente à georeferenciação. Essa indução traduz-se nos comentários ao post, com muitos utilizadores a não perceberem que se trata de uma notícia sobre o Brasil.

 

Violência doméstica

Ver publicação no Facebook 

Caracterização: 

Factos incorretos – no link  

Categoria: Fabricated content

Justificação: Optámos por incluir a publicação supra como conteúdo político porque se enquadra nas definições previstas no projeto, refletidas através de alguns dos comentários: 

Isto não se resolve com penas mas sim com trabalhos forçados e castigos a sério deixem essa merda a que chamam de democracia que só serve para ajudar os criminosos e enterrar quem trabalha e cumpre com as suas obrigações.”

“Mas que se passa neste país. Mas as mulheres são tão pouco Indiferentes para este país. Ninguém faz nada. Querem é votos para encherem as contas bancários e todas as mordomias. Façam leis mais duras para este ordinários.”

A afirmação que morreram 4 mulheres nesta semana devido à violência doméstica não corresponde à verdade. A publicação original data de 21 de setembro, no rescaldo de um assassinato em Braga no dia 18 de setembro que correspondeu à 20ª mulher vítima mortal de violência doméstica. 

Nos dias e semanas anteriores não foi assassinada mais nenhuma mulher vítima de violência doméstica. O registo anterior é de 23 de agosto.

 

NOTA METODOLÓGICA

Esta despistagem analisa os 20 posts com mais interacções publicados nos grupos públicos de Facebook monitorizados pelo projeto Monitorização de propaganda e desinformação nas redes sociais na semana de 22 a 28 de setembro de 2019.

Cada um desses 20 posts foi analisado para determinar a sua veracidade, em primeiro lugar, e – no caso de incluir desinformação – que tipos de desinformação lhe estão associados.

Para caracterizar a desinformação é usada uma nomenclatura desenvolvida pelo projeto e para os categorizar recorre-se aos 7 tipos de desinformação do First Draft.

A identificação das pessoas que publicaram os posts nos grupos monitorizados foi ocultada por razões de privacidade.

Coordenação: Gustavo Cardoso

Codificação e análise: Inês Narciso

Este projeto de investigação é realizado em parceria com o Diário de Notícias e com o apoio do Democracy Reporting International.

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