Por Rita Sepúlveda e Miguel Crespo, CIES_Iscte
Introdução
Em eleições em geral, e num período eleitoral marcado pela Covid-19 em particular, as redes sociais tendem a ganhar uma maior importância na divulgação de mensagens políticas, e como plataformas de comunicação não-mediadas para contacto direto entre candidatos eleitorais e os seus potenciais eleitores.
Entre a oferta disponível no âmbito das redes sociais online, o Instagram tem crescido em número de utilizadores em Portugal (68% dos utilizadores de internet) e, de forma esperada, a classe política tem apostado em estar presente nesta plataforma. O Instagram é uma rede que se caracteriza por ter uma média etária de utilizadores mais jovem, quando por exemplo comparada com o Facebook, e com um forte cunho visual, seja no formato fotografia que o caracteriza desde o início, seja mais recentemente pela incorporação do vídeo.
Essa análise é feita tanto em termos quantitativos (publicações, seguidores, fotos e vídeos partilhados, comentários), como longitudinais (tentando caracterizar a evolução temporal), e qualitativos (os mais comentados, padrões visuais, caracterização de publicações mais recorrentes, emojis e hashtags mais utilizados).
Daí que a análise da presença e ação dos candidatos presidenciais no Instagram possa ser relevante para compreender as suas estratégias de comunicação digital.
Nota Metodológica
Para recolher as publicações dos candidatos presidenciais no Instagram recorreu-se ao módulo “Instagram Posts Extractor” da ferramenta PhantomBuster. O resultado da recolha é apresentado num .csv com um conjunto detalhado de informações, entre as quais: número de comentários, tipo e data de publicação, descrição (legenda) e url da imagem.
A análise temporal em análise compreende o período entre 17 de dezembro de 2020 e 17 de janeiro de 2021.
Fizeram parte da amostra os seguintes perfis:
[Nota: Perfis oficiais dos candidatos no Instagram, que compõem a amostra. O candidato Marcelo Rebelo de Sousa não tem conta pessoal nem existe conta oficial da candidatura. André Ventura tem um perfil pessoal no qual deixou de publicar a 9 de janeiro, coincidindo com o arranque oficial da campanha eleitoral, mas onde voltou a publicar no dia 18 (apenas um post). Fonte: elaboração própria.]
As imagens de cada publicação foram obtidas através do seu url, facultado no .csv, e com recurso à extensão para browser DownThemAll. Para organizar as imagens utilizou-se o software ImageSorter. A frequência de emojis foi obtida com recurso à ferramenta Text Analysis e através das legendas que acompanham cada uma das publicações. A representação gráfica foi maioritariamente ilustrada com recurso ao RawGraphs.
Considerações éticas
A investigação centra-se na recolha e análise de conteúdo de contas públicas de um conjunto de candidatos à presidência da república portuguesa. Nesse sentido, não se considerou tratar-se de uma temática sensível nem ser necessária a anonimização de tais conteúdos. Não obstante, e para preservar a identidade dos seguidores, por exemplo nos comentários, esses dados não foram tratados de forma individualizada. Os dados foram recolhidos com recurso a uma ferramenta que opera através da API do Instagram.
Resultados
Caracterização dos perfis
Caracterização das publicações
No total do período em análise (incluindo pré-campanha e campanha eleitoral) foram recolhidas 467 publicações (916 fotografias e 169 vídeos) que se distribuem pelos candidatos como se ilustra na Figura 1. De notar queExistem publicações em formato carrossel que permite mais do que um conteúdo na mesma publicação. Daí o total de fotografias + vídeos ser superior ao das publicações.
João Ferreira é o candidato que, no período em análise, acumula o maior número de publicações (n=112), seguindo-se Vitorino Silva (n=99) e Marisa Matias (n=95). Pelo número de fotografias, João Ferreira é também o candidato que mais recorre ao formato carrossel para, numa publicação, partilhar mais do que uma imagem.
Já Tiago Mayan Gonçalves é o candidato que menos publicações realizou. Não obstante, repare-se no recurso muito equilibrado entre os formatos fotografia e vídeo, o que o distingue dos demais candidatos na utilização das ferramentas disponibilizadas pelo Instagram.
A distribuição temporal das publicações, por candidato, é ilustrada na Figura 2. É possível observar que no período de 3 a 17 de janeiro a frequência de publicações é superior quando comparada com a do período de 17 de dezembro a 3 de janeiro, o que vem no sentido de que, na transição entre a pré-campanha e a campanha, notou-se um aumento do número de publicações, por todos os candidatos.
É também possível observar que o formato fotografia (representado pela cor verde) é o mais utilizado pelos candidatos. O tamanho da representação visual da publicação é dado através do somatório de comentários que obteve.
Um olhar sobre a Figura 2 permite constatar quatro publicações específicas – duas no perfil de Ana Gomes e duas no perfil de Marisa Matias -, que se destacam pelo número de comentários obtidos.
A primeira publicação de Ana Gomes com maior número de comentários (n=373) é uma imagem referente ao anúncio do debate televisivo com André Ventura, que teve lugar no dia 8 de janeiro, na TVI (Figura 3).
A segunda publicação de Ana Gomes que se destaca pelo número de comentários data de 8/01/2021 e é no formato vídeo ao estilo gif (Figura 4). O mesmo surge como resposta e posicionamento relativo a uma polémica que envolveu os candidatos André Ventura e Marisa Matias no qual o primeiro realizou comentários depreciativos sobre a segunda nomeadamente sobre o uso de batom vermelho. Essas críticas tiveram backlash nas redes sociais onde pessoas individuais públicas e privadas apoiaram Marisa Matias através da partilha de imagens com batom vermelho como forma de combate e posicionamento e recorrendo ao #vermelhoembelem.
A primeira publicação de Marisa Matias que se destaca pelo somatório de comentários é referente a uma queda que a levou a recorrer ao SNS e à necessidade de adaptar a sua campanha (Figura 5), com 339 comentários. A segunda publicação que se destaca tem origem em declarações proferidas no debate com André Ventura. Em concreto tratou-se da acusação ao candidato de, enquanto deputado do Chega, por um período de tempo, não ter estado em exclusividade, o que revelaria uma contradição com o seu próprio manifesto (Figura 6), e que somou 470 comentários.
Em que consistem as publicações?
Na Figura 7 compilam-se as publicações dos candidatos durante o período temporal em análise, sendo que os vídeos estão representados pelo primeiro frame dos mesmos. Cada quadrado corresponde a uma fotografia ou vídeo publicados nos seus perfis. O número de publicações também fica mais claro através da visualização, constatando-se que João Ferreira é o candidato que mais conteúdo partilha e, no pólo oposto, está Tiago Mayan Gonçalves.
As publicações dos candidatos no Instagram são acima de tudo para anunciar e retratar a agenda e ações da campanha, mas também para fazer eco dos melhores momentos nos debates televisivos. Isto corresponde a pouco mais do que quatro tipos de publicações: 1) informar sobre ações de campanha; 2) registar essas mesmas ações; 3) informar sobre a realização de debates; 4) considerações ou best of desses mesmos debates.
O único que mais aposta em divulgar programa político é Tiago Mayan Gonçalves, enquanto Vitorino Silva mistura posts sobre o frio ou as ruas que já calcetou com aparições na comunicação social. Quanto a André Ventura, o foco é na crítica, e até no insulto gratuito, a outros candidatos. Mas, em termos gerais, há ainda espaço para três outros tipos de publicações: 1) crítica a outros candidatos; 2) partilha de apoios (de figuras públicas ou de grupos de profissionais); 3) posicionamento político sobre assuntos específicos.
Numa sucinta análise candidato a candidato, podemos resumir os principais destaques de cada um (recordando que Marcelo Rebelo de Sousa não tem presença no Instagram):
- Ana Gomes – Vídeos oficiais de campanha e um pouco de agenda. Não refere outros candidatos.
- André Ventura – Usa notícias (sobre outros candidatos e não só) para criticar (muitas vezes em termos depreciativos e insultuosos), divulga a sua agenda e ações de campanha.
- João Ferreira – Vídeos oficiais de campanha, agenda e relato de ações, apoio de figuras públicas ou grupos profissionais (advogados, ecologistas). Não refere outros candidatos.
- Marisa Matias – Apoio de cidadãos, testemunhos sobre si e a sua candidatura, agenda e relato de ações de campanha. Não refere outros candidatos.
- Tiago Mayan Gonçalves – Usa notícias sobre outros candidatos para criticar, divulga as suas ações (como o outdoor-resposta ao de André Ventura), as presenças na TV e alguns memes.
- Vitorino Silva – Mistura publicações de cidadão (sobre o frio ou as ruas que já calcetou) com a reprodução de aparições da comunicação social, alguma agenda e relato de ações.
Emojis
Quando olhamos para as legendas que acompanham as publicações dos candidatos, reparamos que alguns recorrem a emojis como forma de comunicar com os seus seguidores. A utilização de emojis serve tanto para dar ênfase ou sentido a uma frase, seja com uma utilização mais instrumental com recurso a tipologias específicas. Na Figura 8 reunem-se os 10 emojis mais frequentes entre todas as publicações em análise.
João Ferreira é o candidato que mais contribui para o top 10 de emojis, não só pela variedade (n=4) como também pela frequência. O emoji punho erguido é o emoji mais comum entre as suas publicações, seguindo-se, dentro da categoria “smileys e pessoas”, o braço fletido e o dedo a apontar para a direita. Note-se o não recurso a tons de pele específicos mas sim o uso do tom genérico (amarelo). De sublinhar também que o punho erguido é um gesto físico comum, muitas vezes observado nos encontros ou comícios do PCP, e que marca presença destacada nas publicações do candidato através do recurso ao símbolo (✊).
Marisa Matias é a segunda candidata que mais contribui com emojis para o top 10. Nas suas publicações recorre a emojis da categoria “objetos”, com um objetivo bastante instrumental, como noticiar um acontecimento, como são exemplos debates ou comícios virtuais. O pin indica o acontecimento, o calendário indica a data e o relógio a hora.
André Ventura, Tiago Mayan Gonçalves e Vitorino Silva contribuem para a análise com um emoji cada. André Ventura inclui nas suas publicações o símbolo patriótico – bandeira de Portugal -, Tiago Mayan Gonçalves recorre ao pin muitas vezes, numa lógica de lista com marcas para expressar ideias, opiniões ou considerações e, por fim, Vitorino Silva contribui com o símbolo ok.
Quando olhamos para as legendas das publicações de todos os candidatos, com o objetivo de identificar a presença de emojis (Figura 9), podemos constatar que é João Ferreira quem mais faz uso destes símbolos, seja em termos de variedade como de frequência. O uso é marcado pela utilização como meio para complementar ou dar ênfase às suas publicações. Já os candidatos Marisa Matias, Tiago Mayan Gonçalves e Vitorino Silva têm um recurso – no que ao número de variedade diz respeito – muito semelhante, ainda que usem emojis distintos entre si e de categorias diferentes.
De notar, entre os emojis utilizados por Marisa Matias, o batom vermelho (????). Este está ligado à resposta da candidata aos comentários depreciativos de André Ventura, cuja polémica teve bastante repercussão e impacto, e que pode ser acompanhada através do #vermelhoembelem.
André Ventura e Ana Gomes são os candidatos que recorrem com menos frequência e variedade de emojis nas legendas das suas publicações. Entre os dois têm em comum o uso da bandeira nacional.
Hashtags
No Instagram o uso de hashtags é muito comum e relevante para agrupar conteúdo por tema, pelo que a sua análise nas contas oficiais dos candidatos pode também gerar indicações sobre as suas principais mensagens,
O hashtag geral #presidenciais2021 situa as publicações em termos de conteúdo e classifica a publicação, sendo utilizado por todos os candidatos exceto André Ventura e Tiago Mayan Gonçalves.
A utilização do nome do candidato e o ano situa temporalmente as publicações e dá orientação aos utilizadores que procuram um determinado candidato a estas eleições. Só Vitorino Silva não o faz, pois todos os outros usam a conjugação do nome (completo ou não, como é o caso de Marisa e Mayan) com 2021.
Existe ainda o uso recorrente de hashtags propagandistas, mas apenas por parte de Tiago Mayan Gonçalves (#AlternativaLiberal) e, em especial, por André Ventura (#PorPortugalPelosPortugueses e #UmPaísUmLíderUmDestino).
A utilização de hashtags mais específicas, referentes à publicação em concreto a que estão associados, surge com alguma frequência, mas é mais comum nas publicações de João Ferreira.