Podcasts em quarentena: uma moda passageira

Por Ruben Martins, doutorando em Ciências da Comunicação (Iscte)

Entre os dias 14 e 22 de Março houve um pico de produção de novos conteúdos áudio distribuídos através das plataformas de podcasting em Portugal. Este período de análise corresponde ao intervalo entre o primeiro dia depois da declaração do estado de alerta e o primeiro dia do estado de emergência, numa semana em que o encerramento das escolas já estava em vigor e onde uma boa parte das empresas já tinham transitado para o regime de teletrabalho.

Na semana supracitada foram criados, com o pretexto da pandemia da Covid-19, 21 conteúdos originais, cuja temática geral ou de algum dos episódios foi o contexto sanitário ou a maior disponibilidade temporária propiciada pelo período de quarentena.

A metodologia que permitiu chegar ao universo de conteúdos em análise passou pela pesquisa nas lojas portuguesas da Apple Podcasts e no Spotify através das keywords: coronavírus, covid e quarentena. Esta pesquisa detetou a presença direta de nove formatos criados no período indicado. Foi também analisado, durante este período, os tops da Apple Podcasts para detetar a presença de outros formatos, bem como os sites das rádios generalistas de palavra e das temáticas informativas. Foi também realizada uma pesquisa por nome de episódio de forma a reduzir eventuais erros no levantamento do número total de conteúdos disponíveis.

Dentro dos conteúdos disponíveis, podemos verificar que cinco são programas de rádio distribuídos on-demand através da tecnologia de podcast. Há ainda dois programas criados por órgãos de comunicação social que não as rádios (da autoria do Público e Expresso) e um conteúdo produzido por uma produtora (366 ideias), que, mais tarde, passou a ser distribuído também através do site do jornal Público. Todos os outros 13 são de produção independente.

A média de episódios disponíveis no final do estado de emergência (3 de Maio) é pouco superior a 17 episódios por programa, no entanto, este número caí para dez episódios em média caso sejam apenas considerados os conteúdos independentes.

 

A periodicidade de produção é mais regular nos conteúdos que são produzidos pelas rádios (Antena 1, Antena 3, TSF e Rádio Observador). O fenómeno é explicado pela existência de uma grelha de emissão fixa para emissão pela rádio convencional.

No que toca à produção de conteúdos por parte de produtores independentes há uma tendência irregular que se acentua ao longo do tempo de produção. O exemplo do “Porta Fechada”, produzido por Carolina Pinto e João André, é descritivo desta realidade. Os primeiros quatros episódios seguiram uma lógica diária, o quinto episódio foi publicado com um intervalo de dois dias, e depois o intervalo foi aumentando até se tornar semanal. Tendência semelhante aconteceu com o podcast de Marta Cunha Grilo “Covid – 2º DRT.

O produtor independente Tomás Lampreia lançou o único podcast de âmbito diário neste contexto. Com a descrição “estou de quarentena e não tenho mais nada para fazer” contou no total com a produção de 53 episódios (dois deles já fora do período de estado de emergência), sem padrão de formato (alternando pequenos monólogos com conversas com amigos) e sem duração regular. Com o fim do estado de emergência a produção chegou ao fim.

 

Alguns dos podcasts lançados em período de quarentena

 

No que toca à tipologia dos conteúdos, as rádios optaram por formatos essencialmente informativos, seguindo uma lógica de atualização da informação sobre a pandemia e procurando dar respostas às questões dos ouvintes. As histórias sobre o isolamento e a quarentena são exploradas de forma mais intensa pelos órgãos de comunicação social, numa realidade observável nos podcasts “Vai ficar tudo bem” (Expresso), “Em casa” (366 ideias), “Vidas em Isolamento” (Rádio Observador) e, no independente, Covid-2ºDto (Marta Cunha Grilo).

Fora do âmbito direto da pandemia da Covid-19, mas potenciada por esta, foi também lançado um podcast de história, criado por Rui Tavares para o jornal Público, a partir do futuro livro “Agora, agora e mais agora”. Este conteúdo foi motivado por período de quarentena forçado do seu produtor, tendo, desde o início, um número limitado de episódios definido e um fim assinalado.

A restante produção independente assenta maioritariamente em monólogos (em estilo diário pessoal) ou conversas a dois, produzidas de forma irregular e sem guião. Exemplo deste modo de produção está na descrição do “COPOD-19” de Bárbara Wahnon: “O único propósito deste podcast é passar o tempo. Portanto, sem edições, gravado à primeira”.

Fora deste esquema de produção sem guião está o podcast de Paula Cordeiro “Urbanista 2.0”, que partilha “investigações científicas e histórias inspiradoras”, e cuja continuidade vai além da pandemia.

No que toca a conteúdos produzidos por figuras públicas, apenas a humorista Joana Gama (também autora de Psychoterapia e de banana-papaia) iniciou a produção de um conteúdo original neste período. “Necas Tan-Tan” consiste numa conversa com a filha, no entanto o formato não teve particular relevância pela sua duração limitada de dois episódios.

De todos os 21 conteúdos inicialmente analisados, continuam ainda a produzir episódios, não tendo até à data anunciado o seu fim, nove produtores. Há ainda o caso do podcast “Agora, agora e mais agora” que está agora na fase final de produção, estando a publicação dos últimos episódios prevista para os primeiros dias do mês de Junho.

 

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