Os Media brasileiros pedem calma e ganham confiança durante crise do Covid-19

Por Eduardo Acquarone, Doutorando em Ciências da Comunicação.

Numa ação rara, talvez inédita, o pivot William Bonner, apresentador do principal telejornal brasileiro, interrompeu a leitura das notícias logo no início do Jornal Nacional desta segunda-feira (23 de março) e pediu ao público: “Calma!”.

“O porquê desta pausa no JN: a gente também precisa respirar. A gente precisa entender que essa crise vai ter altos e baixos, vai exigir sacrifícios, mas, no fim, o Brasil e o mundo vão superar. Apesar da aflição, apesar da dor que muitas famílias estão enfrentando e outras ainda vão enfrentar, a gente vai superar esse momento junto e vai ser mais fácil quanto mais a gente mantiver a calma” (Jornal Nacional/Globo).

Estas foram as palavras do principal nome do telejornalismo brasileiro, falando diretamente para os milhões de brasileiros que, no meio da maior crise de saúde mundial em toda uma geração, voltaram a se informar pela TV e pelos jornais.

Ilustração de Henry Bugalho / YouTube

O apelo de William Bonner e Renata Vasconcellos repercutiu em um país que, historicamente, sempre se reuniu em torno da TV para discutir as grandes questões, mas que também é líder de consumo de ferramentas digitais como o WhatsApp.

Neste início de cobertura intensiva da pandemia causada pelo Covid-19, as primeiras pesquisas mostram que o público brasileiro não apenas está vendo mais programas jornalísticos na televisão, mas principalmente voltando a confiar nos “velhos media“.

Uma pesquisa do Instituto Datafolha divulgada no mesmo dia do frente a frente de Bonner e Renata com o público mostra que as TVs e os jornais impressos lideram os índices de confiança da população.

“Segundo o levantamento, programas jornalísticos da TV (61%) e jornais impressos (56%) lideram no índice de confiança sobre o tema, seguidos por programas jornalísticos de rádio (50%) e sites de notícias (38%). Enquanto isso, redes sociais e aplicativos de mensagens são vistos como pouco confiáveis em meio à pandemia.” (Folha de São Paulo).

Esses índices são bastantes diferentes dos apurados em julho de 2019, após seis meses de governo Bolsonaro, quando a imprensa tinha uma taxa de desconfiança muito maior.

“21% confiam muito (na imprensa), 48% confiam um pouco e 30% não confiam.” (Datafolha – Instituto de pesquisas).

Os jornais perceberam a mudança do clima, e a Associação Nacional dos Jornais organizou uma campanha, junto com os principais jornais brasileiros, para se posicionarem como uma fonte de informação fidedigna. Foi lançada uma hashtag (#ImprensaContraoVírus) e na segunda-feira (dia 23 de março), dezenas de jornais brasileiros usaram a mesma imagem na capa.

“Juntos vamos derrotar o vírus: Unidos pela informação e pela responsabilidade”. (ANJ – Associação Nacional de Jornais).

Campanha da Associação Nacional de Jornais

A Rede Globo, principal emissora do país, aumentou em sua programação diária o espaço dedicado ao jornalismo. Desde o dia 17 de março, suspendeu os programas “Mais Você”, “Encontro com Fátima Bernardes”, “Globo Esporte” e “Se Joga” e criou, no meio da manhã, o especial “Combate ao Coronavírus”.

Com isso, das 4h da manhã até às 15h, o espaço da grelha é totalmente dedicado ao jornalismo, ao nível local, regional ou nacional. A audiência aumentou, não apenas na Globo mas também nas demais emissoras do país.

A TV por assinatura brasileira também entrou na cobertura de forma abundante. A GloboNews ampliou sua programação ao vivo para 17 horas e meia por dia, até para responder à concorrência da nova CNN Brasil, que estreou já com a crise do Covid-19 deflagrada. A estratégia funcionou, e em uma semana – de 15 a 22 de março – a audiência da GloboNews mais que duplicou e tornou-se o canal mais visto da TV paga brasileira.

Ao mesmo tempo, a interrupção de competições desportivas pelo mundo, especialmente do futebol no Brasil, acabou apressando uma decisão que talvez fosse inevitável. O jornal desportivo diário Lance deixou de ser impresso, e agora existe apenas na Internet.

Importante lembrar que, no Brasil, a quarentena já estava sendo obedecida de maneira gradual em boa parte do país, mas apenas no dia 24 de março é que o estado de São Paulo e a cidade do Rio de Janeiro começaram oficialmente a obrigar o fechamento quase que total do comércio e restringir a circulação de pessoas.

Portanto, é possível inferir que essas mudanças de hábito no consumo de notícias venha a se aprofundar nas próximas semanas. Ainda não há informações de aumento de assinaturas dos produtos pagos, similares ao “Trump Bump” visto em muitos jornais americanos após a eleição de Donald Trump. Desta vez, a perspectiva de uma recessão mundial provavelmente impedirá um salto nas assinaturas, e o resultado a longo prazo pode, inclusive, ser o contrário.

Outro movimento interessante é notar que, com todo o universo dos Media dedicado à cobertura jornalística, e sem a oportunidade de apresentações ao vivo, artistas e outros criadores digitais estão aumentando publicações, em vídeo e ao vivo, em plataformas como YouTube ou Instagram. São apresentações caseiras cercadas de intimidade ou em rede, com vários colaboradores espalhados pelo mundo, através de plataformas como o Zoom. Talvez estejamos vendo o nascimento de novos formatos de comunicação.


Imagem de destaque: “Christ the Redeemer, Brazil” by Destination_2 is licensed under CC BY 2.0