O projeto Monitorização de propaganda e desinformação nas redes sociais, desenvolvido no MediaLab ISCTE IUL, está a efetuar semanalmente a caracterização dos posts com conteúdo político que, dentro do conjunto de grupos de Facebook analisado, obtiveram o maior número de interações. Seguem alguns exemplos deste processo, com o link de acesso, a respetiva caracterização (segundo a rotulagem do projeto) e categorização (segundo as categorias do First Draft News, de Claire Wardle), assim como a justificação para ambas as tipificações.
Da totalidade de posts analisados distinguem-se:
- 4,8% de posts que apresentam teor político mas já não se encontram totalmente visíveis;
- 19% de posts em que não existem conteúdos imprecisos ou incorretos, quer pela sua natureza, quer pelo rigor dos factos apresentados;
- 28,6% de posts com conteúdo impreciso, que pode induzir o recetor em erro.
- 47,8% de posts com conteúdo incorreto, desinformando o recetor
Museu Salazar
Caracterização:
Factos incorretos – no texto do post;
Factos imprecisos – no texto do post;
Acusações não fundamentadas – no texto do post
Categoria: Fabricated content
Justificação:
O texto do post contém uma série de factos incorretos ou imprecisos:
- O Hospital Dona Estefânia foi fundado a 18 de julho de 1877.
- O Hospital Egas Moniz foi fundado a 24 de abril de 1902.
- O IPO Lisboa foi fundado em 1923 e foi inaugurado em 1927. Apenas a construção do Bloco Central de Lisboa e do IPO de Coimbra são construções do Estado Novo.
- O Hospital de São Francisco Xavier foi inaugurado em 1987.
- A Fundação Gulbenkian (1956) e a Cruz Vermelha (1865) são entidades privadas cuja construção não teve intervenção estatal.
José Sócrates e Ivo Rosa
Caracterização:
Acusações não fundamentadas – no link
Imagem manipulada – no link
Spin de imagem – no link
Cópia seletiva – no link
Categoria: Manipulated content; false context
Justificação:
A maioria do texto é copiado do artigo do Observador ao qual os factos correspondem. A “notícia” alterada tem sugestões de interpretação no título e no final, com acusação não fundamentada de que José Sócrates e Ivo Rosa serão amigos.
A imagem é construída a partir de uma imagem bastante conhecida de José Sócrates a abraçar António Costa, em que o rosto de António Costa foi substituído pelo de Ivo Rosa. Para além da manipulação em si, há a mensagem subliminar de proximidade entre os três homens.
Juiz Rui Rangel
Ver publicação no Facebook: O post original, publicado na manhã do dia 10 de setembro, já não está disponível mas foi detetado este, com exatamente o mesmo texto, também com link para o artigo do Observador.
Caracterização:
Factos imprecisos – no texto do post
Acusações não fundamentadas – no texto do post
Categoria: Misleading content
Justificação: Rui Rangel foi acusado de corrupção mas ainda não foi julgado e, portanto, não foi condenado.
Incêndios
Caracterização:
Acusações não fundamentadas – no texto do post original
Imagem fora de contexto – no texto do post original
Reciclagem – no texto do post
Timing fora de contexto – no texto do post
Categoria: False context; false connection
Justificação:
Partilha de um post de 23 de julho.
A imagem não é de um incêndio em Portugal, é uma foto amplamente partilhada na internet a nível internacional.
O texto do post faz uma série de acusações não fundamentadas, sustentadas na ideia de que a razão principal da existência dos incêndios é culpa da classe política, mas os factos indicam o contrário: o investimento ao combate aumentou, o investimento em campanhas de sensibilização aumentou. O post compara a floresta com outros setores, como o do plástico, em que na realidade também há fortes (ou até maiores) interesses económicos instalados.
O timing do share do post também é muito estranho. O post é de 23 de julho, na sequência de uma vaga de incêndios, mas é partilhado novamente na página Portugal a Rir no dia 9 de setembro, altura em que estatisticamente já se aponta para um ano bom em termos de número de fogos e área ardida.
Pedrogão e PS
Caracterização:
Factos imprecisos – no texto do post
Reciclagem – no texto do post
Timing fora de contexto – no texto do post
Imagem fora de contexto – no link
Título impreciso – no link
Texto do post conduz à interpretação incorreta do link/imagem/meme
Categoria: False context; false connection
Justificação:
O texto do post é uma sugestão de interpretação com acusações não fundamentadas, sugerindo uma proximidade com António Costa que fact-checkers como o Polígrafo já verificaram não ser existente.
Paralelamente ao comentário, surge uma foto e um título da Visão que contém uma sugestão de interpretação enganadora, porque a imagem é das cerimónias em homenagem às vítimas e o comentário “Estamos com Valdemar Alves” é do Presidente da Concelhia Distrital de Leiria e não de António Costa. A recondução de Valdemar Alves pelo PS é aliás oficializada antes da tragédia de Pedrogão, como verifica o Polígrafo.
A notícia da Visão é de 7 de setembro de 2018, anterior a uma série de desenvolvimentos judiciais em que já não ocorreram tão evidentes manifestações de apoio do PS.
Violadores
Caracterização:
Factos incorretos – no texto do post.
Reciclagem – no texto do post.
Timing fora do contexto – no texto do post.
Acusações não fundamentadas – no texto do post.
Texto do post conduz à interpretação incorreta do link/imagem/meme
Categoria: False context; false connection
Justificação:
Comentário: “Deixámo-los entrar” infere que o indivíduo em questão é um refugiado ou imigrante quando na realidade é um indiano (não há registo significativo de refugiados/imigração da Índia) e não está sequer na Europa. Foi entrevistado na sequência de um documentário da BBC sobre violações na Índia. O título infere, também, que existe uma correlação entre a violação e a imigração:
A notícia está num órgão de comunicação social espanhol e data de 28 de novembro de 2015.
Confiança Política
Caracterização:
Acusações não fundamentadas – no texto do post
Reciclagem – no texto do post
Timing fora de contexto – no texto do post
Título impreciso – no link
Categoria: Misleading content
Justificação:
A origem do problema não está nas acusações não fundamentadas do comentário, mas no título impreciso do jornal Público. Aquilo que o referido estudo avaliou foi se os cidadãos sentem que o governo os representa e/ou se têm em conta a sua voz política. De referir que inicialmente o jornal Público terá interpretado mal os dados, incluindo uma correção, mas que está no fim da notícia e não no início. O artigo do Público é de junho de 2019, o que torna o timing da sua partilha descontextualizada.
Pedofilia Afeganistão
Caracterização:
Factos incorretos – no texto do post
Reciclagem – no texto do post
Timing fora do contexto – no texto do post
Título incorreto – no link
Texto do post conduz à interpretação incorreta do link/imagem/meme
Categoria: False context; false connection
Justificação: O texto do post faz duas generalizações incorretas:
- A primeira é que os refugiados vêm destas “zonas”, quando na realidade dados oficiais dizem que houve 32 pedidos de asilo em 2017 oriundos do Afeganistão, todos rejeitados e, no SEF, as últimas estatísticas demonstram uma diminuição de afegãos em Portugal (em 2016 eram apenas 38).
- A segunda generalização é “têm todos a mesma mentalidade”, o que é outro facto incorreto. O link para o post do blogue é de março de 2019, mas o conteúdo surge pela primeira vez, em pesquisa Google, datado de março de 2017 com um título muito menos “sensacionalista” e enganador.
No link do post partilhado indica-se que o governo afegão é conivente com “escravidão sexual infantil tolerada”, quando na realidade o texto fala de alterações legislativas que estão a ser implementadas no Afeganistão para combater esta prática. Fizemos a tradução deste texto original brasileiro mas não encontramos versão inglesa (poderá ser original e não uma tradução). A imagem, no entanto, encontra-se associada a milhares de resultados relacionados com desinformação: “Obama promotes pedophelia”, “How US troops are closing their eyes while children are being raped”, etc. e vários memes.
Henrique Neto e o PS
Caracterização:
Título incorreto – no link
Reciclagem – no texto do post
Timing fora de contexto – no texto do post
Categoria: Misleading content; false connection
Justificação: A entrevista a Henrique Neto foi publicada pelo jornal i a 7 de agosto de 2018 e nela critica António Costa, o PS, a geringonça e o PSD de Rui Rio. O timing de publicação original do artigo é anterior e isso altera o contexto, sobretudo sem nenhum esclarecimento por parte de quem a partilhou, havendo sempre uma sugestão interpretativa ao leitor de que se trata de algo recente.
Paralelamente, o título surge com uma declaração entre aspas – indicando que Henrique Neto disse – “Deixei o PS por causa da corrupção. Não me arrependo”, quando na realidade Henrique Neto criticou a inércia do PS em relação à corrupção, enquanto o título dá a entender que o mesmo saiu por causa da corrupção existente no interior do partido:
Refugiados vs Reformados
Caracterização:
Factos imprecisos – no post original
Categoria: False context
Justificação: A definição de racismo é muito diferente da sugerida. A ideia de que os refugiados recebem 600 euros e os reformados 450 também é uma generalização incorreta, sobretudo a interpretação de que a diferença de valores poderá estar em diferenças étnicas e não em direitos previstos na lei, independentemente da origem.
Pobreza
Caracterização:
Factos incorretos – no texto do post
Acusações não fundamentadas – no texto do post
Reciclagem – no texto do post
Categoria: False context
Justificação: Notícia de maio de 2019, sobre o discurso do Presidente da República no aniversário do JN, em que Marcelo referiu que a taxa de pobreza e a taxa de risco de pobreza atuais são inaceitáveis. A sugestão de interpretação de quem partilha a notícia dizendo que a taxa de pobreza aumentou nos últimos 4 anos está errada, segundo dados do INE, amplamente divulgados na comunicação social. Mais, refere que é devido a um aumento de impostos, quando os únicos grupos em que de facto a pobreza aumentou foram desempregados e idosos, nos quais a carga fiscal é muito mais reduzida.
Outdoors e CML
Caracterização:
Reciclagem – no post
Timing fora de contexto – no post
Factos incorretos à data atual – no link
Imagem fora de contexto – no link
Cópia seletiva – no link
Categoria: False context; misleading content
Justificação: “Noticia” de julho de 2017 que é uma cópia da notícia do jornal Público. O texto é o mesmo mas há uma deliberada alteração da escolha da foto utilizada, que não tem tanta relevância para o tema mas que tem conotação política.
A empresa criada 6 dias antes – que entretanto a própria notícia do jornal Público explica que é sub-empresa de uma já muito conhecida do ramo (título em si um pouco enganador) perdeu o concurso, que foi entretanto revisto. Portanto, a partilha da notícia não só está desatualizada como à data atual os factos estão incorretos.
Assalto ao Santa Maria
Caracterização:
Factos imprecisos – no link
Título impreciso – no link
Imagem fora de contexto – no link
Acusações não fundamentadas – no link
Categoria: False context; misleading content
Justificação:
Artigo de agosto de 2019 do blogue Direita Política, mas que remete como sendo das Notícias Viriato. Meme e título do artigo são uma sugestão de interpretação com factos imprecisos e acusações não fundamentadas, designadamente a adjetivação de “ladrão de bancos”. Destaca a questão do dinheiro nunca ter sido encontrado e a sugestão de que os assaltos seriam mais rentáveis do que revolucionários.
A imagem e o título, focando-se em Camilo Mortágua e nos assaltos aos bancos, não refletem o conteúdo do link em si, que é maioritariamente um artigo de opinião sobre o filme “Assalto ao Santa Maria”. Nesse artigo existem algumas sugestões de interpretação sobre o filme, mas no geral os dados encontram-se todos corretos e sem grande referência aos assaltos e a Camilo Mortágua.
No Notícias Viriato foi escolhido uma foto diferente (sem ser “meme” como o da Direita Política e um título mais literário: o cinema lava mais branco.
A imagem de Camilo Mortágua, usada pelo Direita Política, surge originalmente no Correio da Manhã em 2017.
Nome do aeroporto
Caracterização:
Factos imprecisos – no texto do post
Categoria: Misleading content
Justificação: Sugestão de interpretação que remete para a ideia de que Mário Soares não contribuiu para o bem de Portugal e/ou dos portugueses e que recebia uma reforma “majestática”. A subvenção vitalícia e outras regalias de ex-presidente estão previstas na lei e ela não é complementar com outras reformas. Não foi detetado nenhum resultado em pesquisa Google relativo a outros rendimentos, mas estes poderiam ser privados, e não de acumulação de reformas da CGA por estas não serem acumuláveis.
António Mexia e a EDP
Caracterização:
Factos incorretos – no link
Factos imprecisos – no link
Cópia seletiva – no link
Reciclagem – no link
Timing fora de contexto – no link
Categoria: False context; misleading content
Justificação: Post de Joana Amaral Dias que é copiado na íntegra pelo blogue em questão. O post original é de março de 2019 e é um comentário de Joana Amaral Dias sobre a sua entrevista na CMTV.
Para além desta intervenção de Joana Amaral Dias ser de março, o próprio tema é antigo, e a mesma já fez este mesmo comentário em 2016 e voltou a falar disso em 2017 e 2018.
Relativamente aos factos:
- O valor apresentado tem em conta valores brutos divididos por 365, não referindo que este valor é antes de impostos.
- “Suga o erário público” – A EDP é uma empresa privada e o ordenado e prémios dos seus gestores são decididos em Assembleia de Accionistas.
- “70% dos portugueses não conseguem aquecer as suas casas” – dados do EUROSTAT apontam para um valor acima da média europeia, é verdade, mas de 22,5% e não 70%. A palavra “conseguem” induz em erro, apesar do mesmo relatório incluir uma estatística indicando que 74% dos inquiridos consideram a sua casa fria no inverno.
NOTA METODOLÓGICA
Esta despistagem analisa os 20 posts com mais interações publicados nos grupos públicos de Facebook monitorizados monitorizados pelo projeto Monitorização de propaganda e desinformação nas redes sociais na semana de 7 a 14 de Setembro.
Cada um desses 20 posts foi analisado para determinar a sua veracidade, em primeiro lugar, e – no caso de incluir desinformação – que tipos de desinformação lhe estão associados.
Para caracterizar a desinformação é usada uma nomenclatura desenvolvida pelo projeto e para os categorizar recorre-se aos 7 tipos de desinformação do First Draft.
A identificação das pessoas que publicaram os posts nos grupos monitorizados foi ocultada por razões de privacidade.
Coordenação: Gustavo Cardoso
Codificação e análise: Inês Narciso
Este projeto de investigação é realizado em parceria com o Diário de Notícias e com o apoio do Democracy Reporting International.