Despistagem de desinformação política nas páginas: de 7 a 14 de Setembro de 2019

O projeto Monitorização de propaganda e desinformação nas redes sociais, desenvolvido no MediaLab ISCTE IUL, está a efetuar semanalmente a caracterização dos posts com conteúdo político que, dentro do conjunto de páginas analisado, obtiveram o maior número de interações. Seguem alguns exemplos deste processo, com o link de acesso, a respetiva caracterização (segundo a rotulagem do projeto) e categorização (segundo as categorias do First Draft News, de Claire Wardle), assim como a justificação para ambas as tipificações.

Da totalidade de posts analisados distinguem-se:

  • 30% de posts em que não existem conteúdos imprecisos ou incorretos, quer pela sua natureza, quer pelo rigor dos factos apresentados;
  • 55% de posts com conteúdo impreciso, que pode induzir o recetor em erro.
  • 15% de posts com conteúdo incorreto, desinformando o recetor

Sócrates e Ivo Rosa

Ver publicação no Facebook

Caracterização:

Acusações não fundamentadas – no texto do post
Acusações não fundamentadas – no link
Imagem manipulada – no link
Spin de imagem – no link
Cópia seletiva – no link

Categoria: Manipulated content; false context

Justificação: A maioria do texto é copiado do artigo do Observador ao qual os factos correspondem. A “notícia” alterada tem sugestões de interpretação no título e no final, com acusação não fundamentada de que José Sócrates e Ivo Rosa serão amigos.

A imagem é construída a partir de uma imagem bastante conhecida de José Sócrates a abraçar António Costa, em que o rosto de António Costa foi substituído pelo de Ivo Rosa. Para além da manipulação em si, há a mensagem subliminar de proximidade entre os três homens.

 

Rui Pinto

Ver publicação no Facebook

Caracterização:

Acusações não fundamentadas – no texto do post
Factos imprecisos – no meme
Reciclagem – no meme

Categoria: Misleading content;

Justificação: Rui Pinto está preso e a foto é verdadeira mas a expressão preso político remete para um passado histórico que já não corresponde à realidade. Este post é o re-aproveitamento da página deste post, que teve bastante adesão, talvez daí a sua reutilização.

 

Pan e os reclusos

Ver publicação no Facebook

Caracterização:

Acusações não fundamentadas – no texto do post
Factos imprecisos – no link

Categoria: Misleading content

Justificação: Não obstante haver pelo menos um post de Facebook que remete para esta declaração do líder do PAN e do programa ter várias ideias nesse sentido, o programa oficial do site não contém esta frase, uma pesquisa no Google pela mesma não a identificou em outra fonte oficial do PAN, nem André Silva a proferiu no debate com Rui Rio no dia 9 de setembro, dia que antecede a esta publicação.

Este único post de Facebook que também remete para estas declarações é de dia 10 de setembro de 2019, às 22 horas e 32 minutos, 10 horas depois do post de Mário Gonçalves, por isso essa poderá ter sido a sua fonte.
Nos dias anteriores a este post houve uma polémica relativamente ao programa eleitoral do PAN e a um ponto com reclusos, que foi entretanto mudado durante o dia 10 de Setembro, data da publicação. Mas o polémico ponto do programa do PAN não correspondia à alegação de Mário Gonçalves.

NOTA: Caso esta frase não seja da autoria de André Silva, será feita uma revisão da caracterização e categorização deste post.

 

Idosos e pobreza

Ver publicação no Facebook

Caracterização:

Acusações não fundamentadas – no texto do post
Reciclagem – no post
Factos imprecisos – no link
Spin de imagem – no link

Categoria: Misleading content;

Justificação: Artigo de Mário Gonçalves de 10 de agosto de 2019, com uma série de sugestões de interpretação imprecisas:

  • Não vai haver reformas no futuro.
  • A expressão “só em portugal” quando há países, até da UE, onde os valores das reformas são inferiores.
  • A ligação causal entre as baixas reformas e os “milhões”.
  • A reforma de 250 euros para quem “trabalhou uma vida” – O valor para quem tem mais de 30 anos de desconto são cerca de 400 euros. O valor para quem nunca descontou é inferior aos 250, mas não é isso que infere o título do artigo.

O artigo conta ainda com algumas acusações não fundamentadas: grupo de “ladrões”; “corruptos ganham milhões“.

A imagem utilizada é uma stock photo e não é de Portugal.

 

Rui Pinto II

Ver publicação no Facebook

Caracterização:

Acusações não fundamentadas – no meme
Factos imprecisos – no meme
Spin de imagem – no meme

Categoria: False context; false connection

Justificação: Factos imprecisos:

  • A inferência causal entre a denúncia de corrupção e a prisão de Rui Pinto.
  • A ideia de que a atividade de Rui Pinto foi a denúncia de crimes de corrupção, quando o processo foi mais complexo e diferente de muitos casos de whistleblowers, em que há uma denúncia a um Orgão de Comunicação Social ou a um Orgão de Investigação Criminal na sequência da obtenção dos indícios de corrupção.

Spin de imagem com a ligação ao 25 de Abril, mais uma vez fazendo a ligação à ideia de se tratar de um preso político.

 

Mário Gonçalves e o Facebook

Ver publicação no Facebook

Caracterização:
Factos imprecisos – no link.

Categoria: Misleading content;

Justificação: Mário Gonçalves coloca no artigo o print screen deste pedido de desculpa onde se consegue ver que o seu post foi reportado por assédio e bullying. No artigo, o autor escreve que “nunca disse mentira nenhuma” acrescentando que o Facebook, após análise, viu que tinha cometido um erro e pediu desculpa. Existe uma exposição imprecisa dos motivos que levaram à remoção do seu conteúdo, não tendo a ver com uma questão de ‘verdade’ ou ‘mentira’ como a imagem indica.

 

O voto em corruptos

Ver publicação no Facebook

Caracterização:
Acusações não fundamentadas – no link
Factos imprecisos – no link

Categoria: Misleading content

Justificação: O artigo no link contém várias acusações não fundamentadas e factos imprecisos:

  • “Maioria dos portugueses … mas vota em corruptos” – Os políticos que têm obtido a maioria dos votos dos portugueses não estão na sua maioria a ser investigados por corrupção.
  • Continuam a votar para eleger bandidos e corruptos para a Assembleia da República – A maioria dos deputados não estão a ser investigados por corrupção ou crimes associados a ser “bandido”.
  • “Sabemos e temos provas que a corrupção em Portugal está cada vez mais alta” – depende da interpretação das estatísticas oficiais: Houve um aumento de condenações em primeira instância em Portugal, em 2017, o que pode ser interpretado como aumento da corrupção, mas também como melhor ação da justiça. Segundo dados da Transparency International a situação em Portugal melhorou, em termos de ranking comparativo com outros países, nos últimos anos.

 

Raríssimas

Ver publicação no Facebook

Caracterização:

Acusações não fundamentadas – no link
Factos imprecisos – no link
Factos incorretos – no link
Spin de imagem – no link

Categoria: Manipulated content; false context;

Justificação: Artigo de opinião de junho de 2019, em que Mário Gonçalves diz que a antiga presidente da Raríssimas, Paula Brito e Costa, o marido e filho ainda recebem ordenado da Associação.

Segundo investigação do Polígrafo, desde julho de 2018 que nem Paula Brito e Costa nem a sua família recebem o vencimento. Esta verificação do Polígrafo resultou de outro post viral do Facebook, com o mesmo discurso.

Relativamente à acusação de Mário Gonçalves de que Paula Brito e Costa continua a fazer vida de luxo, não é possível confirmar.

A foto escolhida para este post, em que Paula Brito e Costa surge com Maria Cavaco Silva, tem também inerente uma sugestão de interpretação particular. A mesma foto é depois usada em outro artigo – já não tão viral – e mais recente de Mário Gonçalves.

 

Reforma dos Magistrados

Ver publicação no Facebook

Caracterização:

Factos imprecisos – no link
Título impreciso – no link

Categoria: Misleading content;

Justificação: Artigo no link é do Tuga Press e remonta a julho de 2019 e os dados constantes no mesmo já foram verificados pelo Polígrafo.

O título é enganador por diversos motivos.

Primeiro, na generalização, porque os magistrados não se reformam todos com as regalias sugeridas, havendo diversas condicionantes, nomeadamente 40 anos de serviço. Os 40 anos de serviço são cada vez mais incomuns, devido à entrada tardia dos recém licenciados no mercado de trabalho.

Segundo, a afirmação de que se reformam com o valor bruto pode ser interpretado como indicação de que irão receber esse valor líquido, quando na realidade recebem o mesmo valor bruto, procedendo-se aos descontos previstos na lei.

Terceiro, o cálculo não é feito com base no último salário, mas sim tendo em conta a categoria e escalão a que pertencem.

Na própria notícia estes pontos são esclarecidos.

Notícia com o mesmo link já foi partilhada pelo menos 3 vezes (julho, agosto e setembro) pelo Tuga Leaks, Tuga Press e Anonymous Portugal. Conforme o texto do post vai sendo mais populista, aumenta o número de partilhas. Podemos estar perante o que o Facebook identifica como inauthentic coordinated behaviour.

 

Pan e os violadores

Ver publicação no Facebook

Caracterização:

Acusações não fundamentadas – no texto do post
Factos incorretos à data de publicação – no texto do post
Factos incorretos à data atual – no texto do post
Factos imprecisos – no texto do post

Categoria: False context;

JustificaçãoNo programa eleitoral inicial do PAN para as legislativas, houve um ponto que causou alguma polémica, o 1081, que previa “instituir a obrigatoriedade de reclusos condenados por crimes violentos contra outras pessoas fazerem uma sessão semanal de reconciliação com os familiares das vítimas, mediante aceitação destas, e, caso não se trate de homicídio, também com as próprias vítimas”.

No final do dia 10 de setembro, o PAN alterou a redação: “Permitir sessões semanais de reconciliação entre reclusos condenados por crimes violentos, com exceção dos crimes de violência doméstica ou violação, e familiares das vítimas ou com as próprias vítimas”.

A publicação em questão é de dia 11 de setembro, pelas 23 horas e 10 minutos, mais de 24 horas depois do PAN já ter alterado o polémico ponto do seu programa.

Relativamente à imprecisão na interpretação dos factos: O PAN não propôs no seu programa o “perdão” para violadores. O conceito da Justiça Restaurativa (ou regenerativa) propõe redução de penas quando existe consenso entre a vítima e o agressor, e apenas mediante aceitação destes (como explicava o ponto inicial do PAN). 

 

António Costa e a Reforma

Ver publicação no Facebook

Caracterização:
Factos imprecisos – no meme
Reciclagem – no meme

Categoria: Misleading content; false connection;

Justificação:

O uso das aspas como se o segundo ponto fosse um comentário de Costa e uma decisão da sua responsabilidade induz em erro, conforme também verificou o Polígrafo:

“todos os anos procede-se a um cálculo do fator de sustentabilidade para determinar se a idade de acesso à reforma aumenta, diminui ou permanece inalterada, de acordo com a evolução da esperança média de vida nos últimos anos. Esse mecanismo de cálculo está previsto na lei desde 2008, pelo que o aumento de um mês não se deveu a uma alteração da lei por parte do atual Governo liderado por António Costa. É uma atualização como que automática, prevista na lei”.

Na altura (março de 2019) o Polígrafo atribuiu o meme à página Gato Político, que entretanto refere não ser da sua autoria. O primeiro registo identificado pelo projeto Monitorização de propaganda e desinformação nas redes sociais é de janeiro de 2018.

 

NOTA METODOLÓGICA

Esta despistagem analisa os 20 posts com mais interações publicados nos grupos públicos de Facebook monitorizados pelo projeto Monitorização de propaganda e desinformação nas redes sociais na semana de 7 a 14 de Setembro.

Cada um desses 20 posts foi analisado para determinar a sua veracidade, em primeiro lugar, e – no caso de incluir desinformação – que tipos de desinformação lhe estão associados.

Para caracterizar a desinformação é usada uma nomenclatura desenvolvida pelo projeto e para os categorizar recorre-se aos 7 tipos de desinformação do First Draft.

A identificação das pessoas que publicaram os posts nos grupos monitorizados foi ocultada por razões de privacidade.

Coordenação: Gustavo Cardoso

Codificação e análise: Inês Narciso

Este projeto de investigação é realizado em parceria com o Diário de Notícias e com o apoio do Democracy Reporting International.

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *