O projeto Monitorização de propaganda e desinformação nas redes sociais, desenvolvido no MediaLab ISCTE IUL, está a efetuar semanalmente a caracterização dos posts com conteúdo político que, dentro do conjunto de grupos de Facebook analisado, obtiveram o maior número de interações. Seguem alguns exemplos deste processo, com o link de acesso, a respetiva caracterização (segundo a rotulagem do projeto) e categorização (segundo as categorias do First Draft News, de Claire Wardle), assim como a justificação para ambas as tipificações.
Da totalidade de posts analisados distinguem-se:
- 30% de posts em que não existem conteúdos imprecisos ou incorretos, quer pela sua natureza, quer pelo rigor dos factos apresentados;
- 30% de posts com conteúdo impreciso, que pode induzir o recetor em erro.
- 40% de posts com conteúdo incorreto, desinformando o recetor
Francisco George
Caracterização:
Acusações não fundamentadas – no texto do post
Categoria: Misleading content;
Justificação: O link em si relata os factos apurados pela jornalista Ana Leal na investigação a Francisco George, mas no texto do post, são efetuadas duas acusações não fundamentadas: “a quantidade de pessoas no poder a roubar é inimaginável” e “num país governado por interesses pessoais”.
Maló e o Novo Banco
Caracterização:
Acusações não fundamentadas – no texto do post
Acusações não fundamentadas – no link
Título impreciso – no link
Categoria: Misleading content
Justificação: O comentário de Mário Gonçalves ao seu próprio artigo tem algumas acusações não fundamentadas.
O título “Novo Banco perdoa €25 milhões à Malo Clinic” é impreciso na medida em que induz que foi o Novo Banco que perdoou a dívida, quando esse perdão surge no âmbito do Processo Especial de Revitalização de que a empresa está a ser alvo, e não de uma decisão da instituição bancária, mas sim de decisão no âmbito do PER.
A Maló encontra-se sobre administração judicial e mesmo assim a decisão foi mais favorável ao Novo Banco que ainda prevê recuperar 38,5% da dívida comparativamente à Segurança Social e Caixa Geral de Depósitos, que foram considerados “credores comuns” vendo assim 90% da dívida perdoada. O texto do artigo já remete para a decisão judicial e tirando algumas acusações não fundamentadas, não faz mais afirmações imprecisas.
Tancos
Caracterização: Não aplicável
Categoria: Parody
Justificação: Não foi considerado, não obstante a associação com José Sócrates. António Costa afirmou que não tinha conhecimento do caso de Tancos e a comissão que investigou o caso concluiu nesse sentido.
Rui Rangel
Caracterização: Texto do post conduz à interpretação incorreta do link / imagem / meme
Utilização descontextualizado de conteúdo de paródia – no post
Categoria: False context; false connection
Justificação: A publicação da página “O País Mete Nojo” é composta por uma sugestão de interpretação com teor ofensivo e um link para um artigo do Inimigo Público, que parodia com o regresso de Rui Rangel aos tribunais, dizendo que o mesmo vai julgar os casos de corrupção nos quais é suspeito. O texto do post remete para a validade da afirmação no título do link, não indicando que se trata de uma paródia.
A origem do link surge muito bem identificada, no entanto, a leitura dos comentários claramente indica que muitos, ou não conhecem o Inimigo Público, ou não perceberam qual era a origem do artigo, possivelmente induzidos em erro pelo texto do post.
A página chega a fazer um comentário cerca de 2 horas depois, procurando esclarecer, mas sem grande sucesso, tendo em conta os comentários que se seguiram. Refira-se que existe de facto alguma polémica associada com o regresso de Rui Rangel ao trabalho como magistrado, nomeadamente por se encontrar a julgar casos de corrupção com contornos semelhantes aquele em que está a ser investigado.
Cofina
Caracterização:
Factos imprecisos – no texto da foto original
Reciclagem – no post
Timing fora de contexto – no post
Categoria: False context
Justificação: As notícias sobre as dívidas fiscais do Grupo Cofina são contraditórias, muitas vezes entre os próprios orgãos de comunicação social, distinguindo-se o discurso entre os OCS do grupo e os restantes.
Em setembro de 2017 o Jornal de Notícias noticia que o grupo tem uma dívida de 13,5 milhões de euros ao fisco.
A este artigo, o grupo reagiu dias depois com um comunicado, publicado pelo Correio da Manhã afirmando que não é verdade a existência da dívida ou um perdão fiscal como o JN tinha noticiado.
Desde setembro de 2017 que não surgem novas notícias nos OCS sobre esta dívida, nem nas novas notícias sobre a possível aquisição por parte do grupo da TVI, incluindo nos artigos do JN. Nesse sentido, deduz-se que a dívida ou já terá sido regularizada, ou os factos noticiados pelo JN eram imprecisos, como alega o CM.
Salgado vs Idosos
Caracterização:
Acusações não fundamentadas . no post
Timing fora de contexto – no post
Título incorreto – no link
Factos imprecisos – no link
Categoria: Manipulated content
Justificação: Publicação de Mário Gonçalves com pequeno texto que reforça narrativa do artigo de sua autoria, de setembro de 2019, que partilha em link.
O artigo faz referência e copia parte de um artigo da Sábado de fevereiro deste ano. Quem lê apenas a versão visível a não assinantes, fica com a ideia – que Mário Gonçalves reforça – de que a reforma de Ricardo Salgado é de facto de 51.862, 25 euros. No entanto a leitura na íntegra permite compreender que o caso ainda não foi decidido em Tribunal e não tem havido nos últimos meses novos desenvolvimentos sobre o caso.
O artigo de Mário Gonçalves infere também que é uma responsabilidade do Estado o valor do pagamento da pensão de Ricardo Salgado, quando na realidade os responsáveis pelo banco “mau” estão a tentar, pelas vias legais, reduzir ao máximo possível a pensão do ex-gestor do Banco Espírito Santo, dentro daquilo que é permitido por lei.
Por fim, Mário Gonçalves volta a generalizar o valor das reformas dos idosos, quando o valor para quem tem mais de 30 anos de desconto são 389,34 euros, e o valor para quem nunca descontou é inferior aos 269,08 referidos (valores de 2018).
António Costa e a dívida
Caracterização:
Acusações não fundamentadas – no texto do post
Factos incorretos – no link
Factos imprecisos – no link
Acusações não fundamentadas – no link
Spin de imagem – no link
Categoria: False context; false connection
Justificação: Os dados apresentados na imagem do artigo em link estão incorretos e são imprecisos:
Estão incorretos os valores de acordo com a PORDATA, embora se verifique um aumento, em valores absolutos da dívida, como o meme indica. Acrescente-se que em termos relativos a dívida diminuiu, como faz questão de destacar o Polígrafo na despistagem de uma publicação semelhante.
Não foi também registado, durante a entrevista em questão, uma afirmação que correspondesse a esta frase imputada através da imagem a António Costa. O tema surge através de uma declaração de Rui Rio que afirma que, ao contrário da percepção dos portugueses, não se diminuiu a dívida.
A destacar que, na linha do que já tinha feito anteriormente, a Direita Política adultera o print screen do discurso de António Costa à SIC Notícias, nomeadamente a caixa de texto inferior com uma declaração: É ainda adicionado o símbolo de “falso” do Polígrafo indicando que a afirmação de Costa é falsa, reforçando a narrativa.
Greta Thunberg
Caracterização:
Acusações não fundamentadas – no texto do post
Factos imprecisos – no texto do post
Factos incorretos – no texto do post
Acusações não fundamentadas – no link
Factos imprecisos – no link
Categoria: Manipulated content
Justificação: Tanto o texto do post como o artigo da Direita Política contém diversas acusações não fundamentadas, nomeadamente que as opiniões de Greta resultam de ações de manipulação de determinados setores de produtos mais ecológicos. Essa acusações inclui uma ligação muito infeliz a Hitler, comparando o sentimento demonstrado pela ativista ao ódio do ditador nazi.
Paralelamente tanto o texto do post como o artigo faz uma série de inferências erradas ou imprecisas, desvalorizando a emissão de CO2 comparativamente com outros problemas ambientais como o excesso de plástico. No texto do post refere-se que os cientistas consideram que as alterações climáticas são algo que sempre aconteceu no planeta ao longo dos tempos, facto incorreto e que promove o discurso largamente contrariado pela comunidade científica sobre o aquecimento global.
Sócrates, Guterres e Greta
Caracterização:
Texto do post induz à interpretação incorreta do link / imagem / meme
Spin de imagem – na foto
Categoria: Misleading content
Justificação: Comentário duas fotografias em que surgem José Sócrates com António Guterres e Greta Thunberg com António Guterres, respetivamente. O texto do post tem uma série de sugestões de interpretação que ligam as decisões de António Guterres ao escolher José Sócrates para Ministro do Ambiente e ao apoiar Greta nas suas reivindicações ambientais. Destaca-se o spin de imagem que vem reforçar a mensagem do texto do post que procura fazer uma ligação entre dois momentos que não têm uma conexão lógica entre si.
Resolução Novo Banco
Caracterização:
Factos incorretos – no texto do post
Texto do post induz interpretação incorreta do link / imagem / meme
Uso descontextualizado de conteúdo de fontes fidedignas – no post
Título impreciso – no link
Categoria: False context
Justificação: Comentário a artigo do jornal Público de agosto de 2019 sobre o anunciar dos valores de apoio para o Novo Banco, de acordo com o previsto no Fundo de Resolução. O comentário ao texto e o próprio título e subtítulo do Público remetem para um aumento inesperado no apoio financeiro, quando os 541 milhões se enquadram no teto de 600 milhões previsto por Centeno no início do ano.
Até ao momento o apoio ao Novo Banco tem sido inferior ao previsto pelo Fundo de Resolução.
Diário de Notícias
Caracterização: Acusações não fundamentadas – no texto do post
Categoria: Misleading content
Justificação: Mário Gonçalves faz um série de acusações não fundamentadas destacando-se a proximidade entre José Sócrates e Ivo Rosa, o facto da imprensa ser produtora de fake news e o facto do motivo da publicação do artigo do Diário de Notícias ser resultado de agendas privadas.
Vídeo Republica dos Bananas
A publicação data do dia 23 de setembro, 21H26 mas o vídeo anexo já não se encontra visível, contando à data da sua retirada com mais de 1000 partilhas (existe um post igual no top dos grupos).
A publicação tem uma sugestão de interpretação sobre a direita ser a solução para as questões com refugiados, com um link para um vídeo de YouTube. Este vídeo também já não se encontra visível e tinha o título “Refugiados, ganham 20 000€ em subsídios. Não pagam dividas e recusam-se a trabalhar.”
Com estes elementos, identificámos um site, com um link para o mesmo vídeo no YouTube e que já contava com mais de 10 000 visualizações quando foi retirado.
Nesse site, é identificado o canal que publicou o vídeo: República dos Bananas. O canal também já não se encontra disponível surgindo a mensagem: “Esta conta foi encerrada devido a violações repetidas ou graves da política do YouTube que proíbe a incitação ao ódio”.
Tendo em conta o identificado disseminador e o título, identificámos o referido vídeo no Facebook, procedendo-se com essa base à caracterização e categorização do mesmo.
Caracterização:
Reciclagem – no post
Timing fora de contexto – no post
Factos incorretos – no link
Factos imprecisos – no link
Título impreciso – no link
Acusações não fundamentadas – no link
Uso descontextualizado de fontes fidedignas – no link
Cópia seletiva – no link
Categoria: Manipulated content; false context;
Justificação: O vídeo em questão é composto por duas partes principais. A primeira é uma composição de imagens, com um comentário aúdio e a segunda é uma composição de vídeos do caso de Miranda do Corvo, com comentários em texto sobrepostos ao vídeo.
Na primeira secção do vídeo surgem uma série de memes, com sugestões de interpretação que ligam os refugiados ao vandalismo e ao terrorismo. Seguem-se alguns dados estatísticos desatualizados e incorretos. Declaram, por exemplo, que Portugal é o país da União Europeia com mais pessoas no limiar da pobreza. Nos dados relativos a 2017, havia pelo menos mais 4 países da UE com taxas largamente superiores à nacional.
A segunda parte, aprofundando algo que já tinha surgido no início do vídeo, assenta na ideia de que um refugiado recebe 600 euros, valor esse já refutado pelo Polígrafo que esclarece que existe um valor base, em que cada refugiado recebe cerca de 150 euros, bem abaixo do que recebe um reformado ou trabalhador com o salário mínimo nacional.
Nas notícias de Orgãos de Comunicação Social sobre Miranda do Corvo refere-se um valor algures entre os 500 e 600 euros mas trata-se de valores para o agregado familiar, composto por 5 pessoas. A declaração no vídeo de que mais de 2 milhões de portugueses vive com menos que estas famílias está incorreta.
Acresce ainda que o vídeo faz utilização seletiva de uma reportagem da SIC Notícias, e que o caso de Miranda do Corvo remonta a novembro de 2018, não existindo contexto que justifique a reciclagem do tema agora. Verificando-se que a produção do próprio vídeo também é recente, esse descontexto agrava-se ao próprio link e não só ao timing de partilha.
Por fim, destaque-se que o vídeo começa com um logótipo igual a duas páginas homónimas que se identificam como República dos Bananas mas que são oriundas do Brasil. Identificou-se ainda uma página com o mesmo nome ligada a Portugal, com apenas 125 gostos e uma imagética diferente da do vídeo mas que foi criada a 11 de setembro de 2019. Poderá haver ligação entre os produtores do vídeo e as páginas brasileiras ou tratou-se apenas do “furto” de imagem.
Rui Rangel II
Caracterização:
Acusações não fundamentadas – no post
Reciclagem – no post
Timing fora de contexto – no post
Categoria: Misleading content
Justificação: O texto do post consiste na cópia integral de um artigo do Correio da Manhã de 2 de fevereiro de 2018 que revela uma série de casos sobre a acusação que o Ministério Público faz ao Juiz Rui Rangel, e cujo caso ainda não foi a julgamento, nem existe ainda despacho de acusação.
Pan e os violadores
Caracterização:
Acusações não fundamentadas – no texto do post
Factos imprecisos – no texto do post
Factos incorretos à data atual – no texto do post
Factos incorretos à data de publicação – no texto do post
Factos imprecisos – no link
Categoria: False context
Justificação: O texto do post e a afirmação, a 24 de setembro, de que o PAN “quer colocar os predadores (tempo verbal no presente) frente a frente com as vítimas” está incorreta face à data do post e à data atual.
No programa inicial do PAN para as legislativas, houve um ponto que causou alguma polémica, o 1081 que previa “instituir a obrigatoriedade de reclusos condenados por crimes violentos contra outras pessoas fazerem uma sessão semanal de reconciliação com os familiares das vítimas, mediante aceitação destas, e, caso não se trate de homicídio, também com as próprias vítimas”.
No final do dia 10 de setembro o PAN alterou a redação: “Permitir sessões semanais de reconciliação entre reclusos condenados por crimes violentos, com exceção dos crimes de violência doméstica ou violação, e familiares das vítimas ou com as próprias vítimas”.
O post em questão é de dia 24 de setembro, mais de 10 dias depois do PAN já ter alterado o polémico ponto do seu programa.
No artigo em link e relativamente à declaração que Mário Gonçalves imputa a André Silva, o programa oficial do site não contém esta frase, nem uma pesquisa Google pela mesma a identificou noutra fonte oficial do PAN, nem o mesmo a proferiu no Debate com Rui Rio no dia 9 de setembro.
RTP e António Costa
Caracterização:
Acusações não fundamentadas – no post
Acusações não fundamentadas – no link
Categoria: Misleading content
Justificação: Tanto o texto do post como o artigo para o qual remete fazem uma série de acusações não fundamentadas sobre a forma de comparação entre a realidade venezuelana e portuguesa, a ideia de que existe algum tipo de censura, e já no link, de que o governo é responsável pelo afastamento de jornalistas e de que os lugares de relevo são dados de acordo com a filiação partidária.
As restantes acusações têm algum fundamento. A primeira, é que o programa da RTP foi de alguma forma suspenso, não obstante o comunicado do OCS, e de que esta interrupção não cumpre os padrões da normalidade. A segunda de que Maria Flor Pedroso é próxima do centro de poder, nomeadamente de António Costa, confere. Ambos estes dados foram investigados pela Sábado.
NOTA METODOLÓGICA
Esta despistagem analisa os 20 posts com mais interações publicados nas páginas de Facebook monitorizadas pelo projeto Monitorização de propaganda e desinformação nas redes sociais na semana de 22 a 28 de setembro de 2019.
Cada um desses 20 posts foi analisado para determinar a sua veracidade, em primeiro lugar, e – no caso de incluir desinformação – que tipos de desinformação lhe estão associados.
Para caracterizar a desinformação é usada uma nomenclatura desenvolvida pelo projeto e para os categorizar recorre-se aos 7 tipos de desinformação do First Draft.
A identificação das pessoas que publicaram os posts nos grupos monitorizados foi ocultada por razões de privacidade.
Coordenação: Gustavo Cardoso
Codificação e análise: Inês Narciso
Este projeto de investigação é realizado em parceria com o Diário de Notícias e com o apoio do Democracy Reporting International.