Por Rita Sepúlveda e Miguel Crespo, CIES_Iscte
O estado pandémico que se vive tem obrigado os portugueses a descobrir e construir novas formas de estar, num processo evolutivo e dinâmico de aprendizagem do qual as tecnologias de comunicação e informação têm sido uma parte substancial, constante e aliada.
Através de recursos como a videoconferência realizam-se aulas, trabalha-se, assiste-se a concertos ou a peças de teatro. Têm sido celebrados aniversários ou realizados jantares, tentando suprir a ausência da presença física, e como resposta para colmatar as restrições impostas pelo confinamento social, tal como abordado no artigo do MediaLab CIES_Iscte “Online dating em tempos de Covid-19: um processo de reimaginação de serviços e práticas”.
Adicionalmente, nestes tempos de confinamento, as redes sociais online não só têm registado um aumento no tempo de utilização, como as publicações dos portugueses têm refletido um conjunto de comportamentos, novos para alguns ou adaptados para outros, numa experiência comum a todos: o de isolamento social. Veja-se o relatório “#covid19pt no Instagram: Expressão visual de ativismo e pertença comunitária em tempo de crise” publicado pelo MediaLab CIES_Iscte.
Enquanto ainda vigora o Estado de Emergência e as suas restrições, assistiu-se (nas duas últimas semanas) à polémica relativa à celebração do 25 de Abril. Um conjunto de ações comemorativas da data – como manifestações, concertos ou debates – foram canceladas, e as tradicionais cerimónias oficiais na Assembleia da República tiveram de se adequar, de forma a cumprir regras de contingência e distanciamento social em vigor para evitar o contágio.
Em 2020, a comemoração do 25 de Abril ficou também marcada pela pandemia Covid-19, acrescendo-lhe um simbolismo ainda mais significativo. Neste sentido, e tendo em conta o paradigma de exceção em que se vive, procurou identificar-se os olhares dos portugueses e a forma como se expressaram no Instagram, através do #25deabrilsempre.
Na figura 1 está reunido o conjunto de imagens resultantes da recolha. E, logo num primeiro relance, é possível observar a existência de um conjunto de imagens de cravos, o símbolo da Revolução de 25 de Abril de 1974.
De facto, sendo o símbolo visual da Revolução, o cravo foi aquele mais comum entre o conjunto de imagens recolhidas. A flor estava presente em expressões artísticas como ilustrações ou manualidades feitas por crianças (figura 2), mãos que seguravam cravos ou colocados ao peito (figura 3), em jarras, às janelas e em ruas vazias devido ao Estado de Emergência que se vive e às regras impostas (figura 4).
Nem sempre as fotografias eram de cravos naturais. Em algumas imagens publicadas foi possível ver cravos feitos em papel ou em outros materiais, por vezes acompanhadas da ideia de que, à falta dos naturais (causada pelas circunstâncias atuais), os portugueses produziram a sua recriação e, portanto, isso não representava um impedimento à comemoração (figura 5).
Entre os hashtags associados àquele através do qual se realizou a pesquisa, #25deabrilsempre, foi possível identificar outros nos quais também os cravos estavam representados, como #revolucaodoscravos, #revoluçãodoscravos, #cravos, #carnation, #carnationrevolution ou #cravosvermelhos. Isso pode ser constatado na figura 6, que representa parte da rede de hashtags relacionados com foco da pesquisa.
Para além dos cravos, outro símbolo que se encontrou de forma recorrente entre as imagens foi a bandeira nacional portuguesa, em associação à comemoração do Dia da Liberdade (figura 7).
Entre imagens icónicas e recorrentes ao longo dos anos nas comemorações, os Capitães de Abril, os cantores José Afonso ou Paulo de Carvalho e retratos mais antigos também foram incluídos nas representações visuais que os utilizadores partilharam (figura 8), às quais associaram o #25deabrilsempre, mas também outros hashtags como #fascismonuncamais, #salgueiromaia ou #liberdade.
Porém, e devido ao momento pandémico de Covid-19 que se vive, também foram encontradas expressões, quer visuais quer através de hashtags associados, que situam de forma ainda mais evidente o 25 de Abril de 2020 num contexto específico, como o atual. Máscaras, luvas, plástico ou o arco-íris foram elementos presentes nas imagens que, em outras circunstâncias, não teriam conotação ou motivo para estarem relacionados à data comemorativa (figura 9). Essa ligação única também se verificou através da associação de hashtags como #covid_19, #coronavírus ou #euficoemcasa.
Por fim, e como forma de expressão já comum nas comunicações digitais, os emojis também acompanharam muitas imagens. Na figura 10 apresentam-se os mais presentes entre as publicações recolhidas. Desse grupo, a bandeira de Portugal foi o que mais sobressaiu, seguindo-se o recurso a flores (rosa vermelha, tulipa e hibisco), que podemos automaticamente associar aos cravos, à sua falta entre o conjunto de emojis disponíveis.
Destaca-se também a tendência para o uso de símbolos de luta, entre os quais se pode identificar o punho fechado (note-se o recurso ao emoji em função de diferentes tonalidades da pele) ou associados à paz, como a pomba.
O arco-íris, símbolo que tem sido associado à esperança após Covid-19, também está presente, situando temporalmente a comemoração do 25 de Abril através de mais uma forma de expressão visual.
A presença da bandeira italiana entre os emojis deve-se ao facto de Itália celebrar a 25 de abril o aniversário de libertação do fascismo, em 1945.
Em anos recentes as redes sociais inundaram-se de imagens de concertos, manifestações e celebrações em comunidade, mas em 2020 tais aspetos não são visíveis devido às restrições impostas pelo confinamento social.
Mas, mesmo sem poder sair à rua para celebrar em comunidade, os portugueses não quiseram deixar de expressar o seu ativismo. As redes sociais em geral, e o Instagram em particular, foram espaço virtual para as manifestações e celebrações da Liberdade.
Com um símbolo visual tão marcante como é o cravo vermelho, foi simples aos portugueses escolherem como marcar no Instagram a sua necessidade de pertença comunitária. Da mesma forma, as palavras de ordem “25 de Abril Sempre” foram facilmente transformadas no hashtag #25deabrilsempre, que se tornou no aglutinador dessa expressão.
No entanto, os portugueses denotaram também grande criatividade. Se os cravos vermelhos são o denominador comum, muitos deles não são flores reais (também pelas limitações provocadas pelo confinamento) mas expressões artísticas, composições fotográficas pessoais ou simbólicas, ou mesmo origamis.
Em conjugação com os cravos, a bandeira portuguesa surge também como grande elemento aglutinador da celebração, seguida da partilha de imagens icónicas da Revolução de 25 de Abril de 1974.
É de destacar que a expressão do 25 de Abril no Instagram incluiu também referências contemporâneas, em especial associadas à pandemia Covid-19 e ao Estado de Emergência e respetivo confinamento social. Máscaras com cravos, cravos isolados em plástico ou empunhados por mãos com luvas cirúrgicas são apenas alguns exemplos. E o recurso a emojis serviu para reforçar as mensagens, em especial com a bandeira portuguesa, mas também com flores diversas (não existe um emoji de cravo) ou símbolos de luta ou paz.
Nota metodológica: Fazem parte do corpus as 500 publicações públicas mais recentes no momento da recolha (25 de Abril de 2020, 19h00) indexadas com #25deabrilsempre. Nesse momento o #25deabrilsempre somava 10933 publicações no Instagram.