“Notícias Viriato”, Mamadou Ba e Luis Giovani: o triângulo da polémica nas redes sociais

Na sequência da morte violenta de um jovem cabo-verdiano em Bragança, houve manifestações e contra-manifestações, sob um pano de fundo difuso de acusações e contra-acusações de xenofobia e com informações cruzadas, nem sempre devidamente fundamentadas. Numa dessas manifestações, o site “Notícias Viriato” confrontou o ativista Mamadou Ba acerca do assunto e o vídeo desse momento tornou-se viral nas redes sociais e potenciou o crescimento desse projeto informativo. Neste artigo analisamos em detalhe como isso aconteceu.

O crescimento do “Notícias Viriato”

A página de Facebook do “Notícias Viriato” tem atualmente 12.700 fãs. Tem vindo sempre a crescer, mas com muito mais intensidade nas últimas duas semanas, como se pode ver nos gráfico abaixo, resultantes de dados compilados pela ferramenta Crowdtangle.

Notícias ViriatoNotícias Viriato

 

A página de Facebook do “Notícias Viriato” é uma das 47 páginas monitorizadas pelo MediaLab ISCTE-IUL, no âmbito do projeto “Monitorização de propaganda e desinformação nas redes sociais“. Dessas 47 páginas, a “Notícias Viriato” foi a quinta com mais interações (‘likes’, comentário e partilhas) e aquela que mais cresceu nos últimos 7 dias, mais 81,2% do que na semana anterior.

Notícias Viriato

Os dois posts abaixo foram os principais responsáveis pelo crescimento do “Notícias Viriato” no Facebook durante as últimas semanas. O primeiro é um direto do Facebook feito durante a manifestação em Lisboa (no qual surge, aos 4:56 minutos, a interpelação a Mamadou Ba). Este vídeo teve, até ao momento de escrita deste texto, um total de 152.100 visualizações, 2411 ‘likes’, 1603 comentários e 1681 partilhas.

Notícias Viriato

A segunda publicação mais vista do “Notícias Viriato” nos últimos dias é anterior à manifestação e reproduz uma informação do blogue “Portugal Profundo”, indicando que o crime de Bragança, que inicialmente se pensava ter sido realizado por jovens brancos por razões xenófobas, teria afinal sido perpetrado por elementos de etnia cigana. É essa, aliás, a informação que suscita o confronto com Mamadou Ba, conhecido ativista em defesa das minorias negras no nosso país. Mas no vídeo podemos ver também várias confrontações entre o repórter (e diretor) do “Notícias Viriato” e alguns elementos da comunicação social presentes na manifestação, o que confirma a análise das motivações evidenciadas pelo “Notícias Viriato” no seu website.

Notícias ViriatoEste post teve, até ao momento da recolha (15/01) destes dados (mais uma vez, via Crowdtangle), 838 partilhas, 123 comentários e 460 ‘likes’. Mas a publicação do site “Notícias Viriato”, que lhe dá origem, foi amplamente partilhada no Facebook e no Twitter.

No Facebook, as páginas que mais interações geraram a partir da partilha desse link, medidas pelo Crowdtangle, foram a do deputado André Ventura e a do Grupo de Apoio ao Juíz Carlos Alexandre. No Twitter foram as contas laurajayjay, Invictus Portucale e Salsaparrilha que mais projeção deram a esse publicação.

Além disso, os responsáveis do “Notícias Viriato” fizeram também um vídeo de resumo da reportagem realizada durante a manifestação. Esse vídeo – que, mais uma vez, contém a interpelaçao com Mamadou Ba, legendada – leva cerca de 1800 visualizações em três dias.

Como uma publicação se converte numa arma política

No Facebook, o post de que os responsáveis pela morte do jovem Giovani Rodrigues seriam de etnia cigana foi partilhada pela primeira vez pela própria página do “Notícias Viriato” (às 19h do dia 9 de janeiro). Na sequência dessa publicação, há uma série de partilhas em vários grupos e perfis, mas, ao que parece, sem a influência de bots ou perfis falsos. Mas o impulso mais importante foi dado pela já referida partilha de André Ventura, feita no final do dia 9 de janeiro (às 23h), depois de outra página, do Chega ter reproduzido a publicação.

No Twitter, também monitorizado pelo Crowdtangle, o “Notícias Viriato” partilhou esse conteúdo já no dia 10 de manhã, ou seja, já  depois de o link ter sido partilhado por outros. A primeira conta a partilhar este conteúdo no Twiter foi a @imoelite, o perfil Twitter de uma Imobiliária de Setúbal chamada Elite. O tweet com mais partilhas foi feito por @laurajayjay1139 (ano da Batalha de Ourique). Este Tweet é uma cópia exata daquele que André Ventura tinha publicado na sua página de Facebook uma hora antes.

Ou seja, foi a primeira publicação, contendo dúvidas sobre a motivação xenófoba do crime, que suscitou a interpelação do repórter do “Notícias Viriato” a Mamadou Ba. Foi essa interpelação, registada em vídeo, que deu maior projeção ao tema e ao “Notícias Viriato”. Essa projeção é resultado de uma teia complexa e intrincada de partilhas, na qual encontramos facilmente grupos, páginas e até atores políticos associados com o populismo e a desinformação. Este caso em concreto – que deverá estar longe de estar esgotado – tipifica bem o modo como se formam as opiniões políticas no contexto das modernas redes sociais e da facilidade de acesso à produção – e propagação – de conteúdos informativos que elas permitem. O surgimento e o crescimento de fontes de informação como o “Notícias Viriato” resulta desse novo contexto de comunicação.

O que é o “Notícias Viriato”

Lançado no dia 10 de junho de 2019, dia de Portugal, o Notícias Viriato assume-se como “um site de informação geral, com notícias, entrevistas, debates, artigos de opinião e reportagens sobre diversos temas da actualidade nacional e internacional, privilegiando as áreas da política, da saúde, da economia, da história e da cultura”.

Todo o site é estruturado como um órgão de comunicação social online, tradicional. Na manhã de 15 de janeiro a página “Sobre nós”, onde eram descritos os objetivos e a missão do website, que estava redigida ao estilo dos estatutos editoriais habituais nos órgãos de comunicação social, cuja publicação é um dos requisitos para obter a licença da ERC, passou a intitular-se Estatuto Editorial. E pode agora lá ser consultado um estatuto editorial, construído em cima do que se encontrava anteriormente na página.

Antes de ter o estatuto editorial, o conteúdo da página anterior era profícuo em expressões e palavras ligadas às práticas jornalísticas, como por exemplo a menção aos géneros jornalísticos que fazem parte do projeto, bem como repetição da expressão projeto de informação. O texto fazia a apologia da falta de confiança nos órgãos de comunicação social tradicionais – o projeto “pretende estimular o pluralismo e contribuir para tentar contrabalançar o enviesamento quase asfixiante que caracteriza o actual panorama comunicacional institucional Português, marcado por uma entediante e monocórdica narrativa informativa da realidade, onde predomina uma visão e modelo monocolor, quase hegemónico e de matriz ideológica, política e cultural – que domina a esmagadora maioria dos meios, redes e órgãos de informação, jornalismo e comunicação social nacional.” Ou seja, era salientada a necessidade de projetos de informação diferentes dos existentes e o Notícias Viriato assumia-se como uma alternativa, continuando a fazê-lo, no atual estatuto editorial.

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Ao longo da homepage encontramos cerca de 315 publicações (em 15/01), que vão desde o início da atividade até à atualidade. É interessante verificar que a data muito raramente pode ser vista antes da entrada na publicação, o que, por exemplo, pode trazer problema de compreensão do espectro temporal quando publicados nas redes sociais.

Pela análise podemos ver que o “Notícias Viriato” é crítico em relação aos órgãos de comunicação social tradicionais, tanto pelo que já foi dito anteriormente como peloas publicações em que outros media são notícia, no website. De entre os órgãos de comunicação social portugueses há dois que são frequentemente matéria: o Polígrafo, com 11 publicações, e o Observador com dois, sempre com publicações críticas à sua atuação em várias situações. A RTP também é mencionada, bem como o Jornal de Negócios.

O seu pendor nacionalista fica claro no parágrafo que existia na página “sobre Nós”, agora retirada, “É um projecto de informação e um espaço de comunicação que também assume claramente, sem tibiezas ou equívocos, como referências da sua acção e modelo de intervenção, a defesa e promoção clara dos Valores culturais ancestrais e contemporâneos comuns, genuinamente Portugueses, que nos definem como Povo e Estado Nação, Independentes e Soberanos, com uma Língua, uma História e um Património riquíssimo, singular e extraordinário”.

Os formatos mais utilizados são a entrevista e publicações que são traduções/adaptações de artigos de outras fontes, por vezes órgão de comunicação social reconhecidos, outra vezes websites com pendor nacionalista e/ou de extrema direita. Entre os órgão de comunicação social reconhecidos encontramos como fontes o Wall Street Journal, a BBC e bastantes vezes alguns tablóides do Reino Unido, como o Daily Mirror, entre outros. Quanto aos sites com pendor nacionalista e/ou de extrema direita, algumas das fontes preferenciais são: o Voice of Europe, o Gatestone Institute e o Russia Today.

No que respeita às temáticas mais abordadas, temos:

  • o movimento pró-vida, com muitas publicações que falam sobre o aborto e a família;
  • as questões de género, há várias publicações que falam sobre a comunidade LGBTI;
  • as questões do clima também aparecem, num registo negacionista, mas aparecem também, pelo menos 6 publicações sobre a “farsa” de Greta Thuneberg;
  • as temáticas da igreja, sobretudo católica também é abordada de forma positiva, embora também haja uma publicação sobre a igreja ortodoxa;
  • o vegetarismo e consumo de carne, ligados em ambiente e outros assuntos também aparecem, como é caso da publicação com o título – “Vegetarianos têm contagem de espermatozoides mais baixa”.

As entrevistas foram um dos formatos no qual houve logo desde início uma aposta significativa. Os protagonistas estão relacionados com alguns dos assuntos já mencionados e destacam-se, do ponto de vista político: André Ventura, José Pinto Coelho e Carlos Guimarães Pinto. Para além destes há duas figuras recorrentes: o coronel Tinoco de Faria e o padre Gonçalo Portocarrero de Almada, que é colunista no Observador.

O “Notícias Viriato” é, portanto, uma fonte de informação de um tipo novo. Mas não será o último do seu género. A facilidade de acesso à produção de informação e a capacidade de multiplicação das redes sociais tornam previsível que venham a existir mais exemplos como este.